“Fini, c’est fini, ça va finir...
Já não há dúvidas de que estamos a assistir à sexta extinção em massa. Mas desta não restará um cineasta ao serviço de Hollywood para nos apresentar belas imagens virtuais das espécies extintas.
...Ça va peut-être finir”, diz Clov, uma personagem de Fin de partie, uma peça de Beckett. O tempo dos fins está aí, diante de nós, a assombrar-nos, e já não apenas num plano existencial e metafísico: a frase que anuncia a forma contemporânea do desastre já não é “o deserto cresce” (expressão de um pessimismo cultural) mas “a extinção aproxima-se” (aviso de uma catástrofe ecológica).
Um relatório da ONG World Wide Fund for Nature, divulgado esta semana, sobre o estado da biodiversidade do planeta, diz que entre 1970 e 2014 as populações de vertebrados selvagens (peixes, pássaros, mamíferos, anfíbios e répteis) diminuíram 60% a nível mundial. Não é uma novidade: em Julho do ano passado, um outro estudo feito por investigadores americanos, publicado nos Proceedings of the Natural Academy of Sciences of the United States of America, amplamente divulgado nos principais jornais de todo o mundo, tinha chegado a conclusões idênticas: a de que está em curso uma “desfaunização” de consequências catastróficas para os eco-sistemas.
Eis alguns números desse estudo: as populações de 32% das espécies de vertebrados estão em acelerado declínio, 40% das espécies de mamíferos viram as áreas pelas quais se repartem diminuir 80% entre 1900 e 2015; 43% dos leões desapareceram desde 1993, já só restam cerca de 35000. Esta aniquilação biológica diz respeito não apenas às espécies, mas também às populações de cada espécie.
Já não há dúvidas de que estamos a assistir à sexta extinção em massa. Mas desta não restará um cineasta ao serviço de Hollywood para nos apresentar belas imagens virtuais das espécies extintas – como aconteceu aos dinossauros, por acção de um asteróide, há 66 milhões de anos – porque já não haverá um único homem e terá sido consumado o mundo feito e refeito à sua imagem.
Claude Lévi-Strauss bem escreveu no seu Tristes Tropiques que “o mundo começou com o homem e irá acabar sem ele”, mas a sua hipótese não tinha prazo para se realizar. Agora que já temos prazos e eles são curtos, agora que as eras geológicas correm à velocidade das gerações, tudo se alterou nas nossas representações de uma extinção sistémica por acção do homem.
O desafio que nos é lançado é este: não podemos deixar de pensar nisto, é absolutamente prioritário colocar estas questões ecológicas no centro das nossas acções e preocupações, mas isso transporta-nos para um outro plano em que Trumps, Bolsonaros & Co. são coisas pouco importantes, meras borbulhas num corpo canceroso. Por isso é que o pensamento ecológico tem um fundo mítico e reaccionário: porque nos transporta para fora das contingências históricas, porque reclama a urgência de interromper a dialéctica e o progresso, porque supõe um horizonte que não é o do tempo da política e introduz uma lógica que não é antropocêntrica nem humanista.
O bom ecologista é uma espécie de “último homem” nietzschiano, colocado perante o paradoxo de, em última instância, desejar um mundo sem nós, na medida em que salvar o planeta, a sua fauna e a sua flora, significa salvá-lo da humanidade. Em boa verdade, ser ecologista porque se quer defender a espécie humana da sua extinção é um contra-senso.
Ocorrem-me estas questões enquanto atravesso de carro o Alentejo e noto que o olival intensivo que cobriu grandes extensões da planície e extinguiu qualquer outra vida se prolonga agora em amendoeiras a perder de vista, que daqui a pouco tempo cobrirão a terra, intensivamente, como arbustos enfileirados em parada para a campanha da produção. Queixaram-se da monocultura? Aqui têm a bicultura. E numa estação de rádio o ministro da Agricultura anuncia: vamos aumentar a área de regadio no Alentejo não sei quantos milhares de hectares. É o anúncio de que o Alentejo vai ficar verdinho. Hoje há vinho maduro e azeitonas, mas amanhã até vamos produzir vinho verde e havemos de ter uma zona de floresta nórdica. Viva Lysenko e o lysenkoismo!