Pedidos de ajuda de famílias endividadas estão a subir desde Março
Maior endividamento leva peso médio dos encargos com créditos no orçamento familiar a aumentar para 72%. E registam-se já incumprimentos em empréstimos recentes, incluindo para habitação.
Há vários sinais de alarme a chegar ao Gabinete de Apoio ao Sobreendividado (GAS), da Deco, o que leva a directora deste serviço, Natália Nunes, a temer que o número de famílias que vai deixar de conseguir pagar os encargos dos empréstimos possa disparar nos próximos anos, como aconteceu no período que se seguiu a 2008. A pretexto do Dia Mundial da Poupança, Natália Nunes não esconde preocupação com o impacto que pode ter no orçamento das famílias uma queda no emprego, uma possível subida de taxas de juros para quem tem empréstimos à habitação, ou um aumento das rendas para quem tem contratos de curta duração.
Um dos sinais de alarme mais evidentes está no aumento de pedidos de ajuda registados de Janeiro a Outubro, que totalizaram 26.180, mais 100 que em igual período de 2017. O aumento começou a ser visível desde Março, mês em que se registou um crescimento de 50 pedidos face ao periodo homólogo, adiantou ao PÚBLICO a directora do GAS, destacando que também têm aumentado os pedidos de atendimento presencial, o que mostra a maior gravidade das situações a reportar.
Do total de pedidos, apenas foi possível apoiar 2077 até 29 de Outubro (2422 em todo o ano de 2017). Isto porque os consumidores quando chegam o GAS - um dos vários gabinetes de apoio especializado que existem a nível nacional, e cuja lista pode ser consultada no Portal do Cliente Bancário – já estão numa situação irreversível, com penhora de bens ou em insolvência pessoal.
A par do aumento de casos há outro dado negativo, que é o facto de as pessoas revelarem um nível de encargos com empréstimos muito elevado e em crescendo desde 2016. Apesar de, em média, as famílias continuarem a apresentar cinco empréstimos – um da casa, dois ao consumo (aquisição de bens) e dois cartões de crédito) - a taxa de esforço média para pagar os encargos (juros e amortização faseada), está em 72%, quando no ano passado estava em 70,8% e, em 2016, nos 67%. A grande distância fica a taxa de esforço que a Deco considera como limite desejável, que é de 35%.
A confirmar a asfixia financeira das famílias, que face a outras despesas essenciais deixam de pagar parte ou a totalidade dos empréstimos, nos anos em que Portugal esteve sobre ajuda financeira, a taxa de esforço média das famílias que recorreram ao GAS fixou-se em 89% em 2012 e em 98% em 2013.
O rendimento médio das mais de 26 mil pessoas que pediram ajuda situou-se no período em análise em 1130 euros, o que, considerando encargos com empréstimos de 820 euros, mais despesas familiares de 500 euros, dá um saldo mensal negativo de 190 euros.
Para a directora do GAS, outro sinal de preocupação é o facto de um número significativo de famílias estar a deixar de pagar empréstimos que pediram em 2016 e 2017, especialmente na componente do crédito pessoal, através dos cartões de crédito, mas também no crédito para a compra de casa. Este dado mostra que as famílias voltaram a dar sinais de excesso de confiança: “Lamentavelmente muitas famílias não aprenderam nada com a crise”, refere Natália Nunes. Salvaguardando estar “a ser simpática”, esta responsável também diz ver, do lado das entidades financeiras, “um aligeirar dos critérios de avaliação da capacidade financeira das famílias, tanto no crédito ao consumo, como no da habitação”.
Mais Banco de Portugal
Em face do que conhece no GAS, onde faz questão de estar ao atendimento, e de outra colaboração pessoal que presta numa junta de freguesia, Natália Nunes diz ter dúvidas que a medida macroprudencial para o crédito - criada pelo Banco de Portugal (BdP) e em vigor desde 1 de Julho - seja suficiente para travar o crédito de risco.
A medida, que recomenda aos bancos novos critérios na avaliação do risco do consumidor e coloca alguns limites aos contratos, “está muito centrada no crédito à habitação”, defende a responsável, sublinhando que o crédito ao consumo, que pode chegar aos 75 mil euros, e aquele que é dado através dos cartões de crédito, deveria ser melhor controlado. Neste domínio diz temer que o crédito para a compra de carro, que tem vindo a crescer de forma muito acentuada, possa registar incumprimentos se as famílias sofrerem uma queda de rendimentos por via de uma subida de taxas de juro, o que afecta directamente o crédito à habitação. Natália Nunes alerta, nomeadamente o BdP, para o facto de muitas famílias terem actualmente contratos de arrendamento por prazos curtos, que, a avaliar pelo já está a acontecer, não serão renovados pelo mesmo valor, nem as famílias encontrarão rendas equivalentes no mercado.
No conjunto das famílias que pediram ajuda nos primeiros 10 meses, 58% tem crédito à habitação e a prestação média do empréstimo da casa estava em 350 euros, um patamar baixo, explicado pelas baixas taxas de juro (em valores negativos no caso da Euribor), mas onde uma subida, face ao rendimento médio (1130 euros mensais), pode ter um impacto significativo. Cerca de um quarto vive em casa arrendada, com uma renda média de 345 euros, um montante que dificilmente as famílias conseguirão manter no caso de não renovação dos contratos. Em 11% dos casos não há contrato de arrendamento, nem empréstimo da casa, pelo que devem viver em casa de familiares. E 7% tem casa própria.
Esta fatia dos que tem casa própria também preocupa Natália Nunes, por maioritariamente se tratar de reformados, com pensões baixas, que tem empréstimos, alguns deles de descendentes, e que se deixarem de pagar podem perder a casa.
O incumprimento das famílias continua maioritariamente a ser justificado por desemprego, alteração das condições de trabalho e doença. Depois vêm as execuções ou penhoras e alterações ao agregado familiar, nomeadamente por divórcio.
Muitas famílias não têm capacidade de poupança para fazer face a quebras de rendimento, mas a Deco também tem alertado para a falta de incentivos para que o façam, quer pela taxa de imposto aplicada pelo Fisco, quer pela falta de rentabilidade de muitas aplicações, nomeadamente os depósitos bancários.