Recruta do curso 127 está sob protecção de testemunhas durante o julgamento dos Comandos
Instrutores e responsáveis do curso dos Comandos no qual morreram Hugo Abreu e Dylan da Silva estão a ser julgados no Campus da Justiça em Lisboa.
O único instruendo do curso 127 dos Comandos que aceitou prestar declarações em tribunal como assistente sobre as circunstâncias das mortes de Hugo Abreu e Dylan da Silva está sob protecção policial de testemunhas. Rodrigo Seco pediu protecção já depois de ter sido ouvido no julgamento, uma primeira vez, na passada quinta-feira, quando a juíza que preside ao colectivo lhe perguntou se se sentia “inibido” perante os 19 arguidos, todos militares.
O assistente, que já deixou o Exército, respondeu que não se sentia inibido. Apesar disso, no final dessa sessão, o procurador José Nisa informou-o da possibilidade de pedir protecção no caso de não se sentir em segurança.
Ao longo de mais de três horas, o ex-militar contara em detalhe o dia da instrução, 4 de Setembro de 2016, que terminou com a morte de Hugo Abreu, com a hospitalização urgente de Dylan da Silva (que viria a falecer seis dias depois) e com o internamento de oito outros instruendos.
Rodrigo Seco, que estava no mesmo grupo de graduados de Hugo Abreu, contou que só bebiam água sob ordem de um instrutor e que quando algum dos instruendos fraquejava era frequentemente castigado. Nas respostas que deu ao colectivo de juízes e ao procurador disse também que viu colegas pedirem ajuda a instrutores, sem resposta, ou a quererem ajudar colegas e serem, por isso, repreendidos.
O seu depoimento prosseguiu nesta quinta-feira no Tribunal Central Criminal no Campus da Justiça em Lisboa. Sempre que não estava na sala de audiências, Rodrigo Seco estava acompanhado por um polícia.
“O tribunal não admite que ninguém seja ameaçado ou intimidado, seja testemunha, assistente ou arguido”, afirmou a juíza-presidente, Helena Pinto, logo no início da sessão.
A declaração, que justificou como necessária “depois de informações que chegaram a este tribunal”, não poderia suscitar “alegações dos advogados”, avisou. E acrescentou: “O tribunal tomará as providências que sejam necessárias e avançará com os respectivos processos-crime por coacção.” Não deu pormenores sobre as circunstâncias que motivaram a sua advertência, alegando o dever de sigilo, e de garantir a protecção de testemunhas, assistentes ou arguidos que possam não estar a sentir-se em segurança.
Entre as 99 testemunhas chamadas pela acusação, estão os 65 instruendos (dos 67 que iniciaram) que concluíram, desistiram ou foram excluídos do curso já depois das mortes de Hugo Abreu e Dylan da Silva, ambos de 20 anos.
Na sessão desta quinta-feira, particularmente tensa, teve de identificar, a pedido do tribunal, um dos instrutores a quem se referia num dos episódios relatado. Também aos pais de Hugo Abreu, José e Ângela Abreu, foi solicitado que identificassem o médico do curso, e arguido neste processo, o capitão Miguel Domingues, como o médico que lhes terá dito que tinham “feito tudo pelo Hugo” para o salvar. “O médico disse-me que tinham feito tudo pelo Hugo. Que tinha caminhado, ao lado dele, que ele tinha dito o nome mas que depois desfaleceu. Agradeci-lhe”, contou Ângela Pita Abreu.
Os pais de Hugo vieram de França onde residem para serem ouvidos. Também se encontravam em França, quando receberam a chamada a informar da morte do filho, na madrugada de 5 de Setembro de 2016. Saíram ainda de noite, de carro, para uma viagem de 11 horas até Portugal. Durante o percurso, já o sol despontara, receberam uma chamada do então ministro da Defesa, Azeredo Lopes, a transmitir as condolências pela perda de “um ente querido”. “Foram as suas palavras”, esclareceu Ângela Abreu. “Eu só disse: ‘Mataram o meu filho.’” Azeredo Lopes garantiu-lhe então que “iam abrir um inquérito” para esclarecer as circunstâncias da morte. Mas quando Ângela, por engano, se dirigiu ao ministro pelo nome Azevedo, ele prontamente a corrigiu dizendo num tom seco: “Não é Azevedo, é Azeredo”, recordou Ângela em tribunal. “Eu não consegui falar com ele. O ministro foi uma pessoa bruta e fria para uma mãe que tinha acabado de perder o filho.”