Crianças pedalam de casa até à escola num “comboio” conduzido por alguns pais
Projecto nascido em Lisboa, na zona do Parque das Nações, está a ser replicado, com grande sucesso, em Aveiro. E a ideia passa por fazê-lo chegar a outros pontos do país.
O ritual tem vindo a repetir-se todas as manhãs, desde o início do ano lectivo. Às 8h35, César Rodrigues e o seu filho Sebastião saem para a rua, cada um na sua bicicleta. Fazem a primeira paragem um minuto depois, escassos metros à frente, para apanhar Martinho e os seus três filhos: Mafalda, Gaspar e Baltazar. Ao longo do caminho que os conduz até à Escola Básica das Barrocas, em Aveiro, ainda efectuam mais duas paragens. Inês Domingues e Inês Brito, com os respectivos filhos, Tomás e Rodrigo, juntam-se ao grupo no segundo ponto de encontro. Mais à frente, é a vez de Ricardo Nunes, e os filhos Bárbara e João, engrossarem a caravana. Na verdade, é um “comboio” de bicicletas e até já tem nome próprio: Ciclo Expresso das Barrocas.
Inspirada no projecto Ciclo Expresso do Oriente, que arrancou há cerca de três anos na zona do Parque das Nações, em Lisboa, por iniciativa de um pai (João Bernardino), a acção parece estar a querer ganhar cada vez mais adeptos. A começar, desde logo, pelo mais novos, que começam as suas manhãs cheios de energia. Riem, gritam, cantam. Tudo isto, curiosamente, às primeiras horas da manhã e enquanto fazem o percurso de casa para a escola. Mesmo aqueles que, por serem ainda demasiado pequenos ainda não vão a pedalar. “Os de três anos de idade ainda vão nas cadeiras das bicicletas dos pais, mas já começam a ficar entusiasmados”, relata Joana Ivónia, uma das promotoras do Ciclo Expresso das Barrocas. Daí até começarem a andar “nas bicicletas de equilíbrio, com os pais a acompanharem a pé” é um saltinho, acrescenta aquela responsável com base na experiência já vivida ao longo do último ano lectivo.
Em Aveiro, o projecto arrancou a 13 de Outubro de 2017, com uma periodicidade semanal (sexta-feira) e compreendeu, até ao final do ano lectivo, a realização de cerca de 30 comboios. “Este ano, como o início do ano lectivo coincidiu com a Semana Europeia da Mobilidade, começámos por ir todos os dias de bicicleta e como tem resultado tem havido comboio sempre”, justifica Joana Ivónia. O sinal de partida ou os cancelamentos da viagem (quando chove, por exemplo) são comunicados através da aplicação whatsapp, num grupo criado para o projecto.
No dia em que o PÚBLICO acompanhou o percurso do Ciclo Expresso das Barrocas, integraram o “comboio” cinco encarregados de educação e oito crianças (com idades entre os três e os oito anos). A ideia passa por desafiar outras crianças a juntarem-se a este comboio, uma vez que a vantagem destas viagens em “comboio” passa, precisamente, pela possibilidade de as crianças não terem de ir com os seus pais. “Sabemos que nem todos os pais têm horários ou locais de trabalho que permitem participar neste comboio, mas como já vão vários adultos no grupo podem levar as suas crianças aos pontos de paragem para elas integrarem o comboio”, nota César Rodrigues, marido de Joana Ivónia e outro dos mentores da iniciativa.
Automobilistas mais sensíveis às crianças
Ao longo deste primeiro ano de existência, o Ciclo Expresso das Barrocas tem merecido o reconhecimento de outros pais, mas nem todos passam das palavras aos actos. “Acham imensa piada mas dizem que não conseguem porque o percurso é feito em estrada e têm medo de andar no meio dos carros”, referem os promotores. E há razões para tal? “Noto que quando circulamos em grupo e quando há crianças no meio, os automobilistas têm muito mais cuidado. Sinto-me mais seguro a andar na estrada sempre que levo o meu filho”, testemunha César Rodrigues. Contudo, ainda há muito trabalho a fazer no que toca a motivar mais pessoas a optarem pela bicicleta, sendo certo que na escola das Barrocas o trabalho de casa está feito. A presidente da associação de pais, Susana Caixinha, dá também ela o exemplo no que concerne à mobilidade ciclável.
No ano passado, Susana Caixinha e o marido decidiram ter apenas um carro e começar a andar mais a pé e de bicicleta. Foi preciso alterar rotinas, nomeadamente a das deslocações diárias do casal e das suas duas filhas – uma de nove e outra de seis anos. “De manhã, o meu marido leva a mais velha à escola das Barrocas, eu levo a mais nova à escola de Santiago e sigo para o trabalho”, testemunha. À tarde, quando sai do emprego (Universidade de Aveiro), Susana Caixinha passa por Santiago para ir buscar a mais nova e segue com ela para as Barrocas. No fundo, acabam por cumprir um pequeno “comboio” familiar.
A opção pela bicicleta tem trazido inúmeras vantagens, garante Susana Caixinha, em especial para as miúdas. “A Mafalda costumava ir calada no carro e agora vai o caminho todo a falar. Como passamos nos jardins da cidade é muito engraçado para ela e para mim ouvir os barulhos dos animais”, argumenta. A recomendação passa, assim, para que muitas mais famílias comecem a optar pela bicicleta nas suas deslocações diárias. “Em especial em Aveiro, uma cidade plana” onde é simples andar de bicicleta repara Susana Caixinha, sem deixar de reconhecer que a situação fica mais facilitada quando, tal como ela e a família, se vive no centro da cidade.
Outra das grandes mais-valias destas viagens diárias para a escola em bicicleta reside na promoção da actividade física. “Começam logo o dia a fazer exercício”, vinca Joana Ivónia, lembrando que o projecto Ciclo Expresso do Oriente acaba de ser reconhecido pela revista da Organização Mundial de Saúde (OMS) como o exemplo português de promoção da actividade física.
Perante os balanços positivos, tanto em Lisboa como em Aveiro, a proposta passa, agora, por replicar o Ciclo Expresso em outros pontos do país. “A nossa ideia é criar uma rede nacional. Ou seja, juntamente com a Filipa e o João Bernardino do Ciclo Expresso do Oriente, pretendemos criar um site, uma plataforma nacional de apoio com informação e dicas de apoio para outras escolas e outros grupos de pais começarem”, anuncia Joana Ivónia.