ModaLisboa: Nuno Gama trocou a passerelle pelo Museu Nacional de Arte Antiga
O criador português já nos habitou a esperar um espectáculo e, desta vez, apresentou a sua colecção no Museu Nacional de Arte Antiga. Mas quem desfilou foram as pessoas.
O segundo dia de desfiles da ModaLisboa começou soalheiro à porta do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA). Nuno Gama levou a sua nova colecção para a exposição permanente e quem desfilou — entre os homens-estátua que se espalhavam pelas salas — foram os convidados.
Sentados à beira da grande escadaria de acesso ao terceiro piso, estava cerca de meia dúzia de modelos sentados, em traje balneário — não fosse esta uma apresentação de Primavera/Verão. Davam as boas-vindas à enchente de visitantes, sob o olhar das várias estátuas de Virgem Maria, do Arcanjo S. Miguel e de Santo André da sala de entrada.
Durante uma ou duas horas, os visitantes do MNAA foram convidados a tocar nas peças (de roupa) expostas: ver os forros e explorar, detalhes e sentir os tecidos. A exposição desafiava-nos ligar os trajes às pinturas e esculturas — mesmo que o criador não tenha a tenha concebido desta forma. O casaco encarnado vivo no final de um corredor, por exemplo, saltava à vista, com a imagem da Lamentação de Cristo Morto como pano de fundo. Algumas das peças mais exuberantes enchiam a sala com imagens da corte de Dona Leonor e, no lado oposto, três modelos de smoking guardavam obras de Josefa de Óbidos.
A guitarra eléctrica, à entrada da sala dos painéis de São Vicente de Fora, marcava o ambiente. “Já vi [esta obra] milhões de vezes e cada vez que subo as escadas fico emocionado”, confessa Nuno Gama. Foi a única sala onde não colocou modelos, de forma a conduzir o olhar das pessoas a importante obra quatrocentista.
“Queria que as pessoas viessem cá. Queria compartilhar esta energia que sinto”, explica o criador, que este ano celebra os 25 anos de marca. “Cada vez que cá venho saio com ideias novas e coisas a borbulhar”.
A ligação entre o património da cidade e a energia da criação de moda está na génese da ModaLisboa. Ao longo de quase três décadas, o evento já ocupou os mais diversos espaços Lisboetas, desde o Museu Nacional de História Natural ao Pátio da Galé (onde esteve durante alguns anos), passando pelo Museu da Eletricidade. É uma relação fecunda: a história é inspiradora cada geração e a moda, que se renova a cada seis meses, injecta energia por onde passa.
“Existe uma natural ligação entre este museu e todas as áreas de criação. É uma espécie de fonte de manancial onde os artistas contemporâneos vêm beber”, afirma António Filipe Pimentel, director do MNAA, acrescentando que estes eventos permitem “viver os espaços de outra forma”. Não é, aliás, a primeira vez que o MNAA se junta ao mundo da moda: em 2011, trocou algumas das suas peças com o Museu de Design e Moda (Mude), criando duas exposições paralelas.
A apresentação de Nuno Gama aconteceu nas vésperas da inauguração (na próxima terça-feira) de uma nova sala do MNAA que irá dar um espaço semi-permanente às mais de 4600 peças de arte têxtil em acervo. Irão rodar de nove em nove meses, sendo que muitas são sensíveis, explica o director do museu. A nova galeria terá como padrinho o próprio Nuno Gama — da mesma forma como a exposição de mobiliário foi apadrinhada pelo arquitecto Siza Vieira. “Tudo surgiu ao mesmo tempo — os fios cruzam-se”, conta Pimentel.
Com abertura para breve está a nova loja de Nuno Gama, no Chiado. A inauguração estava marcada para esta sexta-feira, mas foi adiada. “Não vamos marcar mais inaugurações. Quando os carpinteiros cumprirem tudo, fazemos uma festa”, brinca o criador.
“Estão aqui séculos de riqueza da nossa cultura”, aponta ainda Nuno Gama. O criador lembra que o património nacional deve ser uma fonte de orgulho: “Se calhar somos muito mais do que às vezes pensamos. Se calhar basta mudar esse chip e perceber isso de uma vez por todas”.
O dia de desfiles continuou no Pavilhão Carlos Lopes, com nomes como Alexandra Moura e Aleksandar Protic. Ainda ao início da tarde, enquanto a tempestade Leslie estava por chegar, houve tempo para que a Awaytomars apresentasse a sua colecção ao ar livre, à volta do Lago Botequim do Rei, localizado junto ao pavilhão.