Crónica de uma demissão anunciada
Ninguém sai bem desta espécie de filme de espionagem interpretado por actores de folhetim.
Depois de o seu ex-chefe de gabinete ter entregado ao DCIAP o “verdadeiro” memorando que tinha recebido do porta-voz da Polícia Judiciária Militar sobre a encenação da entrega das armas roubadas em Tancos, estava escrito nas estrelas que, mais tarde ou mais cedo, o ministro da Defesa Nacional teria de ser demitido ou de apresentar a demissão. Se até então Azeredo Lopes resistira a todas as pressões, a todas as dúvidas e a todas as ambiguidades, jamais poderia sobreviver à suspeita de que o seu ministério sabia da encenação ou de que se tinha de alguma forma envolvido nessa desprezível operação. Azeredo sai com direito aos habituais agradecimentos e honrarias, mas sabe-se que no Governo, nas Forças Armadas e em Belém a sua saída é celebrada entre um misto de alívio e de remorso pelo tempo que demorou.
Ninguém sai bem desta espécie de filme de espionagem interpretado por actores de folhetim. A determinada altura, o duelo entre o desmentido “categórico” do ministro e a acusação de Vasco Brazão podiam gerar legítimas suspeitas de que nada havia a ligar Azeredo Lopes ao encobrimento. Era palavra contra palavra. Mas depois de o tenente-general Martins Pereira ter entregado o memorando no Ministério Público, a posição do ministro fragilizou-se. Afinal, havia algo que chegou ao conhecimento do ex-chefe de gabinete. É difícil de conceber que esse conhecimento fosse sonegado ao ministro.
Percebe-se que António Costa tenha subalternizado toda esta teia de relações suspeitosas e quisesse manter o seu ministro – até para provar a sua capacidade de gerir um Governo sujeito a pouquíssimas baixas por demissão. Mas ao fazê-lo da forma que fez, criticando a oposição e acusando-a de partidarizar as Forças Armadas, o primeiro-ministro ficou exposto à natureza tóxica do processo de Tancos. Bastaram 48 horas para ter de reconhecer que o seu optimismo o levara ao erro.
E agora? Acabou o pesadelo? Nem por sombras. Ainda falta saber quase tudo sobre a anunciada relação entre o gabinete do ministro e a Judiciária Militar. Mas o que se sabe para já não augura nada de bom. Ainda mais do que um roubo de armas, a história de Tancos pode tornar-se um caso em que o poder político se furtou à transparência e obstaculizou a verdade e a Justiça.