O Tribunal Arbitral do Desporto três anos depois

Desde o dia 1 de Outubro de 2015 que podemos contar em Portugal com um centro de arbitragem especializado na resolução de conflitos desportivos. A arquitectura deste centro assenta num bom postulado: a competição desportiva necessita de uma jurisdição célere e especializada e, assim, adequada ao sistema desportivo português. Sucede, porém, que decorridos três anos sobre a entrada em funcionamento do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) muitos são as dúvidas que atingem o regime jurídico que o rege. Entre outras perplexidades, não podemos ignorar as questões em torno da independência do centro e da independência e imparcialidade dos árbitros.

Com efeito, se o TAD não proceder ao recrutamento de novos árbitros para integrar a sua lista, aqueles que nela se encontram e que são sucessivamente nomeados pelas mesmas partes colocam em causa os deveres de independência e imparcialidade, designadamente os que resultam das IBA Guidelines on Conflict of Interest in International Arbitration, às quais este centro aderiu por intermédio de recepção através do estatuto deontológico dos árbitros. Deste modo, as sentenças arbitrais proferidas por colégios arbitrais compostos por árbitros, nas condições acimas apresentadas, poderão vir a ser hipoteticamente anuladas, a breve trecho, com fundamento na violação de princípios fundamentais, tais como o direito ao processo equitativo que, a este respeito, não se encontra assegurado. Como tal e a suceder, esta circunstância assume-se como um péssimo agoiro para a justiça arbitral desportiva e, acima de tudo, para a credibilidade no Desporto.

Trata-se de um problema real que só pode ser ultrapassado com um novo recrutamento de árbitros (e substituição de parte dos actuais) ou o alargamento da lista de árbitros, tal como sucede, regularmente, noutros centros de arbitragem de referência. Não podemos ignorar que a anulação das sentenças arbitrais pode ter efeitos devastadores na confiança das partes na credibilidade da instituição arbitral.

Todavia, esta questão mais imediata não permite ignorar que os escândalos do futebol também chegaram ao TAD, levando a descredibilizar – pelo menos publicamente – algumas das suas decisões, o que, por sua vez, em nada contribuiu para a confiança no sistema desportivo. Se retivermos um contexto estrutural da falta de independência do centro de arbitragem, o problema da independência e imparcialidade dos árbitros deve ser uma questão fulcral a discutir numa futura reforma.

Por outro lado, as custas do TAD – que até são a nosso ver inconstitucionais – foram o pecado mortal da falta de sucesso do mesmo. Na verdade, é conhecido que este centro arbitral necessita que lhe sejam submetidos mais de cem processos por ano para ser financeiramente auto-sustentável. Sucede, porém, que este número nunca foi atingido em nenhum dos anos (fixando-se em seis processos em 2015, em 31 processos em 2016, em 76 processos em 2017 e, até à data, nos 66 processos em 2018) sendo, como é sabido, o Estado (todos nós) uma das entidades a apoiar economicamente o TAD. Podemos, com alguma segurança, concluir que a sustentabilidade económica do centro muito dificilmente será atingida ainda este ano.

Assim sendo, o TAD regista dificuldades estruturais ao nível da sua independência e imparcialidade e, em geral, da sua transparência, mas, acima de tudo, no que concerne à viabilidade financeira do desenvolvimento da sua actividade, o que deveria, por si só preocupar todos os cidadãos. Com efeito, não existe uma justificação para que o Estado se demita do exercício da função jurisdicional (pelo menos num primeiro momento) e não se preocupe com a qualidade (em sentido amplo, compreendendo todos os problemas acima referidos) dos serviços de arbitragem (e de mediação) que são oferecidos por este centro.

Tal como não se percebe que, aparentemente, inexista uma intenção legislativa de discutir uma reforma do TAD, principalmente, quando a maioria dos seus problemas são mais do que conhecidos. Não se pode esquecer, neste contexto, que a arbitragem é um excelente meio de resolução de litígios, mas, como tudo na vida, a distorção deste meio quando adaptado a um sector social “especial”, que exige, por exemplo, maiores garantias de independência e imparcialidade, pode vetá-lo a um destino inevitável. É isto que pretendemos evitar ao reivindicarmos uma reforma do TAD.

Passados três anos podemos concluir que ao TAD só restam duas alternativas: ou existe uma reforma abrangente ou, em alternativa, deve pensar-se no seu encerramento. Da minha parte, aposto na primeira solução, mas se a segunda hipótese não estiver a ser ponderada e se esta configuração se mantiver, o encerramento será uma realidade fatal. A finalizar e para evitar esta circunstância, lanço o desafio a todos os operadores do sistema desportivo para que se unam em torno de uma justiça desportiva, verdadeiramente nova, aproveitando, assim, todas as potencialidades da arbitragem como um mecanismo de resolução de conflitos credível.

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