Sexo, poder e amor
Numa altura em que o mundo desenvolvido se debate com os avanços do movimento #Me Too, este Nobel é um incisivo alerta para que tenhamos presente que a afirmação do poder através do sexo é milenar, universal e um abismo de horrores que deve passar a ser intolerável para a humanidade.
Num momento de plena sabedoria, o Comité Norueguês do Nobel decidiu atribuir em 2018 o Prémio Nobel da Paz ao congolês Denis Mukwege e à yazidi Nadia Murad, pela sua “contribuição crucial” para acabar com a violência sexual como arma de guerra.
Numa altura em que o mundo desenvolvido se debate com os avanços do movimento #Me Too, esta atribuição é um incisivo alerta para que tenhamos presente que a afirmação do poder através do sexo é milenar, universal e um abismo de horrores que deve passar a ser intolerável para a Humanidade.
As atrozes violações a que foram sujeitas as 21 mil mulheres tratadas pelo ginecologista, especialista em cirurgia reconstrutiva, Denis Mukwege, o sofrimento que passou Nadia Murad, transformada em escrava sexual pelo grupo extremista Daesh, são histórias de vida bem longe dos ambientes glamorosos de Hollywood, de onde irrompeu o movimento #Me Too. No Iraque e no Congo, a violência sexual sobre as mulheres faz parte de uma estratégia genocida de guerra que procura erradicar comunidades, matando-as, mas também humilhando-as e tirando-lhes a auto-estima.
Mas um horror não relativiza o outro. A dupla atribuição do Nobel tem a virtude de nos mostrar que não importa o cenário onde decorra a violação, Congo, Iraque, Estados Unidos, Portugal, que ela será sempre uma violência indesculpável para a mulher que a sofre. E que é importante tratar a mulher como faz Denis Mukwege, mas que é essencial que as vítimas se transformem em sobreviventes como Nadia Murad. Ela, como as mulheres do #Me Too, dão voz ao que antes era vergonha e silêncio, ajudando, dessa forma, a transformar este mundo num mundo melhor, em que as relações entre homem e mulher não se definam pelo poder.
Se em Nadia Murad o Nobel enaltece essa voz, em Denis Mukwege premeia também aqueles que perante uma imensa tragédia conseguem alimentar o amor. Num país conhecido como a “capital mundial da violação, devastado pelas milícias ao serviço de grandes empresas que procuram dominar recursos minerais –nomeadamente o coltan, utilizado em computadores e telemóveis –, o ginecologista abriu não só o hospital de Panzi, mas também a “City of Joy”. Este centro de acolhimento fundado com a activista Christine Schuler Deschryver e com Eve Ensler, autora dos Monólogos da Vagina, proporciona às sobreviventes de violação um espaço de acolhimento onde durante seis meses elas podem recuperar e reforçar-se, naquilo que a norte-americana definiu como “uma espiral de amor”.
Grandes exemplos nos deu o Nobel.