“Alberto João sabia fazer melhor as coisas do que Miguel Albuquerque”
Paulo Cafôfo conseguiu derrubar a direita na Câmara do Funchal e quer agora, como candidato independente do PS, repetir a proeza nas eleições regionais. Não se revê no jardinismo, mas diz que pelo menos havia liderança e que, com o actual presidente do governo regional da Madeira, não há.
Diz-se à vontade com o primeiro-ministro. Também é amigo do líder da Fenprof, Mário Nogueira, desde os tempos em que esteve no Sindicato dos Professores da Madeira. Teve uma infância tranquila, apesar de ter sido marcado pelo desemprego do pai. Vivia no centro do Funchal, as férias eram na Madalena do Mar, de calções e chinelos. Sentiu falta do mar quando foi estudar História para Coimbra, onde lutou contra as propinas. Não tem “fobia” a Lisboa, diz que o Governo de Costa está a lutar pela descentralização, mas o centralismo ainda existe e prejudica a Madeira. Encontra-se com o PÚBLICO num restaurante no Chiado, durante a IV Cimeira do Turismo Português. Tem 47 anos e um sorriso aberto. O rosto só se fecha quando fala do incêndio no Funchal e da queda da árvore no Monte. Não vai esquecer. Foi professor, agora político. São ofícios que o realizam, nos dois o que conta são as pessoas.
Derrubou a direita com uma “geringonça” no Funchal…
Foi a primeira (risos).
As “geringonças” funcionam bem ou dão muitas dores de cabeça? Na Madeira chamavam à Coligação Mudança o “saco de gatos”.
As pessoas não estavam habituadas a uma governação que inclua e não exclua. Já ninguém estranha, mesmo a “geringonça” nacional. Estamos a assistir a uma maturidade política. Há partidos que são muito mais complicados de gerir internamente do que eu a gerir vários partidos. Olho para as lutas dentro do PSD Madeira, é um partido dividido e sem rumo.
Acredita que vai repetir uma vitória inesperada nas regionais?
Inesperada?
São 42 anos de governação do PSD.
Não diria inesperada. Vem é tarde de mais. Esta alternativa política é saudável. Sempre que há uma alternativa, respiramos. Há uma lufada de ar fresco, o que é bom, nem é para os partidos, é para a sociedade. Vai ser uma disputa difícil. Mas acredito que vou vencer, tenho em mim a força de muitos madeirenses que já não se revêem neste tipo de poder que não tem qualquer visão, nem rumo para a região. Estamos a assistir a um voltar à política do betão. Só vemos o presidente do Governo a anunciar milhões e milhões para o betão. O investimento público é importantíssimo, principalmente numa região como a nossa, mas temos de definir as prioridades desse investimento. O que existe agora é voltar a esses tempos. Miguel Albuquerque, que tanto criticou Alberto João Jardim e tentou fazer uma ruptura em termos de paradigma, está a fazer o mesmo. Só que o Alberto João sabia fazer melhor as coisas do que Miguel Albuquerque. Não tenho dúvidas. Foi um político que marcou o período da história recente da região.
Um político controverso.
Muito. Não me revejo, de maneira nenhuma, na forma do exercício de um poder autoritário, musculado, do quero, posso e mando. Revejo-me num poder em que as pessoas são participantes e participativas.
O que é que Alberto João Jardim sabia fazer melhor do que Miguel Albuquerque?
Tinha liderança. Com todas as críticas que lhe podemos fazer, era um líder e não vejo essas qualidades em Miguel Albuquerque. Mas há outra questão que para mim é importante: não há uma estratégia para a região. O que vemos é um governo regional que tem feito simplesmente uma guerrilha política com o Governo da República e com António Costa. A verdade é que os governos socialistas sempre foram governos bons para a Madeira, muito melhores do que os do PSD. O que vemos é uma gritaria do Funchal para Lisboa. Com o objectivo de camuflar a incompetência em resolver os problemas da região – se temos autonomia é para termos capacidade de os resolver. E com a intenção pôr os portugueses da Madeira contra os do continente. A finalidade é evitar que o PS Madeira ganhe as eleições.
Está disponível para governar com outros parceiros?
Não é o momento de pensar em coligações, é o momento de termos uma única coligação, com a sociedade civil. Sou a pessoa com mais experiência na região para poder formar consensos e coligações, mas neste momento não é um cenário que se coloque.
Não fecha a porta…
Em política, não podemos fechar a porta. A política serve para construir pontes e não muros. Seja com a sociedade civil, seja depois, do ponto de vista pragmático, em termos de constituir uma maioria, deixemos o povo decidir.
O que tem que os outros líderes do PS não tinham até hoje?
Não me comparo. Cada pessoa tem as suas características. Há contextos históricos completamente diferentes. Era muito difícil na Madeira ser oposição. Essa comparação há-de ser sempre errada e injusta, os tempos são diferentes.
Quando vai suspender o mandato na autarquia?
A minha saída da câmara não está definida. Por uma razão: as eleições ainda não foram marcadas. Aguardo serenamente para poder decidir. Dependerá daquilo que são os compromissos que tenho com os funchalenses.
Pouco depois de ter sido eleito para a câmara, aceitou ser candidato à presidência do governo regional. Os parceiros da coligação não gostaram. Como tem sido governar com a insatisfação do BE e do JPP?
Não tem sido difícil. Compreendendo a preocupação. A preocupação não é com a coligação, é com as regionais. O meu bom resultado nas regionais pode ser o mau resultado para esses partidos. Temos de ver qual é o nosso adversário. Não devemos ser adversários uns dos outros. Com as nossas diferenças, o grande adversário é o partido que governa a região há mais de 40 anos. É nesse foco que estou. Deve ser esse o foco desses partidos.
O BE tem criticado a sua participação em acções do PS como candidato ao governo regional.
São reacções naturais de quem tem um parceiro na coligação e vê esse parceiro agora como candidato. Não inviabiliza o bom trabalho que estamos a fazer, nem o compromisso que temos com a câmara.
O PSD-Madeira que alega que o Governo da República está a condicionar a acção do governo regional, mantendo pendentes vários dossiers, com fins eleitoralistas. A conjuntura política nacional está a beneficiá-lo?
Essas críticas não têm razão de ser. O PSD e o governo regional é que não querem resolver qualquer problema, têm interesse em aprofundar divergências com o Governo da República para criarem um inimigo externo, [fazerem] a figura da vitimização e terem ganhos eleitorais.
Pode não os beneficiar terem dossiers pendentes.
Beneficia na guerra que fazem com o Governo da República. O único prejudicado sou eu. Não há pessoa naquela região mais interessada do que eu em resolver os problemas que a República tem com a região.
Depende da perspectiva…
A suspensão dos dossiers importantes tem como único responsável o governo regional.
Não respondeu à questão inicial: a conjuntura política nacional está a beneficiá-lo?
Não tenho problemas nenhuns em dizer que sim. O bom desempenho do Governo de António Costa beneficia-nos enquanto projecto na região. Mas não podemos estar à espera do bom desempenho nacional sem fazermos nada para a construção deste projecto.
Miguel Albuquerque disse ser “patético” e um “número de circo” um dos encontros que teve com o primeiro-ministro para dar um “murro na mesa” para desbloquear assuntos pendentes. Se foi preciso um murro na mesa, afinal Lisboa sempre está a segurar algumas pastas…
O murro na mesa é a firmeza com que a autonomia tem de se fazer. Teve a ver com o [novo] hospital. Não tenho qualquer problema em, até pelo relacionamento ou à-vontade que tenho com António Costa, de pôr os pontos nos “is” e dizer ‘essa situação tem de ser desbloqueada, está a demorar demasiado tempo’.
Costuma conversar com António Costa?
Costumo.
Com que frequência?
Quando há necessidade. Quando nos encontramos e quando tenho necessidade de alguns assuntos que dizem respeito ao Funchal, mas também à região, serem desbloqueados.
Paulo Cafôfo também falou com o PÚBLICO sobre o Presidente da República. Leia aqui.