Parceiros de coligação já acusam mudança de rumo de Cafôfo
Autarca do Funchal assumiu candidatura socialista à presidência do governo madeirense em 2019. BE e JPP, que integram a coligação que elegeu o candidato independente, não poupam nas críticas
Quando, em Outubro passado, menos de um mês sobre as autárquicas, Emanuel Câmara desafiou a liderança do PS-Madeira acenando com a candidatura de Paulo Cafôfo à presidência do governo madeirense em 2019, não apanhou de surpresa apenas o líder socialista da altura, Carlos Pereira.
Os parceiros do PS na coligação ‘Confiança’, que reconduziu Cafôfo ao segundo mandato na presidência da Câmara do Funchal foram também apanhados em contrapé pela disponibilidade do autarca em trocar a autarquia pelo projecto de Emanuel Câmara.
É que, durante a campanha, sempre que a hipótese de Cafôfo deixar o mandato a meio para se lançar numa candidatura à Quinta Vigia, sede da presidência do governo madeirense, foi colocada, o candidato independente reiterou que o “compromisso” que tinha era com o Funchal.
Como independente e com Carlos Pereira na liderança do PS (que acabou sendo derrotado por Emanuel Câmara, por 57% dos votos), a entrada do autarca funchalense na corrida às regionais de 2019 não só não era expectável, como era muito improvável. Daí a surpresa na coligação, que além do PS inclui o Bloco de Esquerda, o Juntos Pelo Povo (JPP), o PDR e o Nós, Cidadãos!, quando Cafôfo apontou para as regionais do próximo ano a toda a velocidade. O desconforto foi primeiro traduzido em silêncio e agora, à medida que a agenda do presidente do Funchal se distancia dos Paços do Concelho, tem sido verbalizado de forma contundente.
No início da semana passada, no final de uma reunião, a comissão política regional do Bloco de Esquerda, não poupou nas críticas. “O BE lamenta que o presidente da Câmara do Funchal tenha quebrado a sua promessa de cumprir o mandato até ao fim, que foi reiterada de forma clara durante a campanha eleitoral. A falta à palavra dada não dignifica a política e suscita desconfiança dos cidadãos eleitores”, apontou Luísa Santos, que integra a comissão coordenadora do partido na Madeira.
A lealdade entre os parceiros de coligação - continuou - obrigaria a que estes fossem informados previamente antes de a decisão ser tornada pública e, no caso do BE, isso não aconteceu.
Do mesmo se queixa o JPP. Élvio Sousa, secretário-geral do partido, lamenta a “falta de consideração” e a “deselegância” do autarca, que não informou previamente os parceiros de coligação. “Não está em causa a ambição pessoal do senhor presidente da câmara, está sim a forma como o processo foi conduzido”, diz ao PÚBLICO, apontando ainda a “quebra de confiança” para com os eleitores que votaram na ‘Confiança’.
Tanto o Bloco como o JPP garantem que vão honrar o acordo pré-eleitoral. Élvio Encarnação argumenta que a “verdade e o compromisso” devem “prevalecer” na política e que o partido vai continuar a ser “solidário” com a população do Funchal. “Está é a génese do JPP, por isso, se fosse eu a equacionar uma candidatura à presidência do governo, teria dito a verdade à população.”
Os bloquistas são mais incisivos. O apoio a Paulo Cafôfo, dizem, foi feito para evitar que o Funchal fosse recuperado pelo PSD – “partido coveiro da autonomia regional, obreiro da bancarrota da Madeira”. Assim sendo, distanciam-se de todas as iniciativas do autarca que “extravasam” a governação da autarquia e que se confundam com actividades de “promoção política” para as regionais de 2019.
“O Bloco sempre condenou a utilização de meios públicos para fins de propaganda e a confusão entre actos oficiais e actos partidários e considera que o presidente da câmara deve focar-se na governação do município, que é para isso que foi eleito e é para o que poderá contar com o apoio do Bloco”, defende a comissão política regional, criticando a recente viagem que o autarca fez a Londres onde manteve contactos com a comunidade madeirense.
Ambos os partidos vão concorrer com listas próprias em 2019 e esta colagem ao PS do autarca que ajudaram a eleger é vista com desagrado. O JPP acusa mesmo os socialistas de tentarem “silenciar” os autarcas do partido no Funchal. “Tem vindo a acontecer uma tentativa de silenciar os eleitos do JPP no Funchal, por parte do PS”, lamenta Élvio Sousa.
A tudo isto, Paulo Cafôfo tem respondido com silêncio. O autarca, que antes de 2013, ano em que ganhou pela primeira vez a Câmara do Funchal, era praticamente desconhecido da política regional, tem gerido as intervenções públicas como candidato à Quinta Vigia. Não quis falar ao PÚBLICO, mas numa entrevista no início do mês à RTP-Madeira desvalorizou a saída a meio do mandato.
“Os compromissos assumidos na campanha eleitoral vão ser totalmente cumpridos”, garantiu o antigo professor de História, dizendo ter “total confiança” na equipa camarária que o tem acompanhado. “Têm feito um trabalho extraordinário e em condições muito difíceis”, elogia, justificando a candidatura à presidência do executivo madeirense com os apelos que tem recebido. “Não posso virar as costas, quando as pessoas dizem: avance!”
Sempre sem cartão de militante socialista, Cafôfo tem-se desdobrado em iniciativas partidárias, principalmente desde que assumiu a candidatura no palco do 22.º Congresso do PS, no final de Maio, na Batalha. Foi aí, longe da Madeira, que o autarca do Funchal se oficializou como candidato. Desde então não tem parado.
Encontros com pastores, com agricultores, uma reunião em Lisboa com António Costa, um jantar com empresários e com o primeiro-ministro no Funchal, uma viagem a Londres, onde defendeu que os emigrantes deviam poder votar nas regionais. Depois, a abertura da I Convenção dos Estados Gerais do PS-Madeira.
Sobra tempo para a autarquia? A oposição diz que não. JPP e BE torcem o nariz e Cafôfo repete que está comprometido com o Funchal.