Aos 20, Google promete mais transparência sem revelar segredos
O vice-presidente responsável pela pesquisa fala dos desafios de desenvolver o motor de busca e da importância de tornar algumas coisas mais óbvias para os utilizadores.
Aos 20 anos, o Google diz que a missão para a próxima década é um motor de busca mais visual, mais transparente, e mais inteligente, em que se usam mais imagens – e menos palavras – para explorar o mundo. O algoritmo exacto por detrás do sistema, porém, vai continuar a ser um mistério.
“Há limites para a transparência. Não podemos ser 100% transparentes”, frisou Pandu Nayak, vice-presidente da equipa que programa o motor de busca, durante o começo das celebrações dos 20 anos da tecnológica, esta semana, em Bruxelas.
A empresa escolheu a cidade que acolhe a Comissão Europeia para juntar estudantes, bloggers, pequenos empresários (da moda à restauração) e jornalistas, e explicar como quer continuar a unir as pessoas com informação. O secretismo faz parte. “Temos muitas pessoas que querem enganar o nosso sistema. Desde que nascemos que lutamos contra o spam de forma agressiva, porque caso contrário os nossos resultados tornam-se irrelevantes.”
Navak lembra que no começo de tudo, em 1998, o número de vezes que uma página surgia mencionada noutras – através de hiperligações – era um dos elementos principais do sistema para decidir a ordem dos resultados. “Hoje há autênticas fábricas digitais que vendem e compram hiperligações só para aparecer no topo e isto já não funciona como a única forma de validar uma página como importante”, explicou Nayak.
Em mais de 12 anos a trabalhar no Google, Nayak acompanhou várias controvérsias na empresa: desde acusações de monopólio vindas da União Europeia, à existência de injustiça nos resultados do motor de busca (por exemplo, revelar a orientação sexual de alguém nas sugestões de pesquisa), ao problema actual das notícias falsas.
Todos os anos, o engenheiro gere milhares de mudanças no algoritmo para tentar resolver os problemas. “Só em 2018, fizemos mais de 2500”, admitiu. Antes de serem implementadas, são testadas por um grupo de pessoas contratadas para comparar o motor de busca antes e depois das mudanças.
Nayak acentuou que o facto de as alterações exactas não serem públicas não devia ser visto como um problema. “Gosta-se muito de falar do secretismo do Google, mas a natureza do nosso serviço é óbvia”, explicou Nayak ao PÚBLICO. “Qualquer pessoa pode fazer uma pesquisa e denunciar os resultados que aparecem. As pessoas até podem criar programas automáticos, os chamados web scrappers, para avaliar a forma como determinados termos dão origem a certos resultados.”
Nas imagens, por exemplo, o engenheiro admite que o racismo é um dos problemas que tem persistido ao longo dos anos. Há livros inteiros – escritos por académicos e críticos da empresa – sobre o tema: pesquisar “gorilas” já foi sinónimo de encontrar imagens de negros, e “meninas negras” era equivalente a pornografia. É a base de livros como Algorithms of Opression (Algoritmos de Opressão, em português) da investigadora em investigadora norte-americana Safiya Noble. Para Pandu Nayak, também é base para o Google aprender.
“A existência de preconceito no Google é um problema real e é algo que combatemos diariamente”, disse Nayak. Não detalha as estratégias para o resolver, mas frisa que não se altera o algoritmo manualmente, nem se criam regras específicas. A lógica é a mesma para decidir se uma página contém ou não desinformação ou factos tendenciosos.
Tal como o Facebook e o Twitter, o nome do Google é recorrente em controvérsias sobre a difusão de notícias falsas e teorias da conspiração. Em 2017, informação falsa sobre o responsável do massacre de Las Vegas esteve durante horas entre as notícias principais do Google. Um ano antes, a empresa foi acusada de promover o extremismo, após o jornal britânico The Guardian revelar que pesquisar sobre o Holocausto (com a frase inglesa “Did the Holocaust happen?”) tinha como primeiro resultado um artigo com uma lista de razões falsas que negam o que aconteceu a milhões de judeus durante o regime nazi. Recentemente, o presidente norte-americano acusou a empresa de promover resultados enviesados sobre o seu governo.
“Decidimos cedo que não devemos ter o poder de programar manualmente o nosso algoritmo para decidir o que é bom e o que é mau. Não queremos injectar as nossas próprias ideias no sistema. O que é correcto para uns não vai ser para outros”, explicou Nayak. “Se perdermos a confiança dos nossos utilizadores, perdemos o nosso negócio.”
Privacidade mais óbvia
Com isto, Nayak avançou que a empresa quer tornar mais óbvias as ferramentas que as pessoas têm para personalizar o Google. “Temos vindo a perceber que nem sempre é fácil para todos desligar as funcionalidades que damos. Vamos começar a corrigir isto nas novas actualizações de aniversário. Tornar as decisões mais naturais”, disse.
Entre as mudanças que o Google vai introduzir nos próximos tempos, está um mini-histórico que lembra os utilizadores de pesquisas semelhantes que já realizaram. “O objectivo é ajudar as pessoas a perceber a viagem que fazem na aprendizagem que fazem de um tema. Achamos que vai ajudar, mas se as pessoas não querem, podem tirar. Isto tem de passar a ser óbvio.”
Entre as maiores mudanças para os 20 anos do Google, está, porém, a forma como se pesquisam imagens. A partir de quinta-feira, dia 27 de Setembro (a data de aniversário oficial da empresa), começa a ser possível seleccionar detalhes numa imagem – por exemplo, um escultura, o nome de um livro, ou um fogão – para encontrar mais informação sobre estes elementos. O conteúdo que surge no site de onde vem a fotografia também vai ser mais importante na ordem em que esta surge no motor de busca.
“Percebemos que muitas pessoas usam as imagens para procurar inspiração e conhecimento”, explicou o engenheiro. Dá o exemplo de utilizadores que procuram receitas, locais de viagem, ou sintomas de doenças através do Google Images.
Para tal, as imagens vão passar a vir legendadas com o tipo de página em que surgem (por exemplo: receita, tutorial, notícia), para ajudar os utilizadores a escolher o site em que carregam, e informação como o autor e data vão ganhar mais destaque.
“Da minha perspectiva, vejo muita competição. Os utilizadores têm cada vez mais locais onde encontrar informação. Há outras aplicações para encontrar dados específicos sobre diferentes temas. Redes sociais, sites de imagens, sites de dieta. Nós estamos muito motivados para melhorar a forma como desenvolvemos a função de pesquisa. Sabemos que se não evoluirmos, os utilizadores vão encontrar novos motores", disse Nayak. “O motor de busca do Google não é perfeito, não temos ilusões disto”.
O PÚBLICO viajou a convite do Google