A viagem de Magalhães traduzida para “um instrumento mágico”, a guitarra portuguesa
Mar Magalhães é o novo trabalho de Luísa Amaro, influenciado pela viagem pioneira de Fernão de Magalhães. Chega esta sexta-feira às lojas e ao Museu do Oriente, às 21h. Em palco, uma presença-surpresa: Bagão Félix.
Quatro anos depois de Argvs (2014) e oito depois de Meditherranios (2009), a guitarrista e compositora Luísa Amaro propõe-nos, em disco e ao vivo, uma outra viagem. Chamou-lhe Mar Magalhães e inspira-se na epopeia do navegador português Fernão de Magalhães (1480-1521) à volta da Terra, que foi a primeira viagem de circum-navegação da história, iniciada em 1519 e cujos 500 anos se hão-de celebrar em 2019. O resultado deste trabalho é apresentado esta sexta-feira num concerto no Museu do Oriente, em Lisboa, às 21h.
A ideia nasceu de uma visita a Sabrosa, ao museu dedicado ao navegador. “Começo a ver aquela viagem toda e achei que dava uma rica história. Porque a zona do Argvs [inspirado na Odisseia] agora é um cemitério, verdadeiramente. E ali estava um português, a fazer aquela viagem, e eu achei que era muito interessante pegar na guitarra portuguesa e pô-la a viajar como ele, com um tipo de repertório que não é habitual na guitarra.” A par de composições dela própria (A partida, a abrir; Olympos, Terminvs, Cacilda), há temas de Villa-Lobos, de Manuel de Falla, dos compositores argentinos Sagreras e Ginastera (um deles com letra do uruguaio Fernán Silva Valdés) ou do mestre coimbrão Jorge Gomes. “É um desafio pessoal, ver até onde posso levar a guitarra e até onde posso chegar”, diz Luísa. De Manuel de Falla, a escolha recaiu sobre Nana, habitualmente ouvida a piano e violino, que aqui são “substituídos”, respectivamente, pela guitarra e pelo clarinete. “É o lado mais dramático de toda a viagem, quando eles estão parados, o fim do mundo quase. Há esse lado dorido, sentido, triste, em que a guitarra está submersa ao domínio.”
Na morna, um final mais feliz
Musicalmente, a viagem começa no som singelo da guitarra a solo (A partida), junta-se depois ao clarinete e ao piano e desdobra-se depois em três trípticos, dialogando primeiro com a guitarra clássica (a de Heloísa Monteiro), depois com o clarinete (Gonçalo Lopes) e por fim com o piano (Paulo Sérgio dos Santos). Em dois temas, Canción del árbol del olvido e Cacilda, há também voz, a de Leonor Padinha. E a fechar, guitarra, clarinete e piano juntam-se ao cavaquinho (João Mota) num tema do cabo-verdiano B.Leza, Luiza.
“O disco acabava na Canção da Primavera [de Francisco Martins], que é muito luminosa e apaziguadora, e eu achava bem que acabasse aí.” Mas o editor achou-o muito nostálgico e desafiou-a a pensar noutro final. Que surgiu num feliz acaso. “Eu andava à volta de uma peça da [guitarrista argentina] Maria Luísa Anido e aparece-me ‘Luiza, B.Leza’. Foi uma revelação. E achei muito bonito trazer a Luiza. Porque tem o meu nome, tem o nome da Maria Luísa Anido, e fecha a viagem de uma maneira mais feliz, mais positiva.”
A “estreia” de Bagão Félix
No palco do Museu do Oriente estarão todos os músicos que participaram no disco, com uma participação-surpresa de alguém que a ajudou muito neste trabalho: o economista e ex-ministro (Segurança Social, Finanças) António Bagão Félix, que em palco tocará percussões e que assina no disco um texto entusiástico acerca deste cruzamento de viagens: “Entre Lisboa e o Mundo”, escreve, “assim Luísa Amaro mostrou Magalhães ao Mar e lhe deu o nome. (...) Com o dom do virtuosismo. Com a sensibilidade da dádiva.”
O resto é música: “Toda a viagem é feita com o rumo do Magalhães, a linha para não me perder. Depois, pude reunir aqui uma série de pessoas a quem quis prestar homenagem: Coimbra, com o dr. Jorge Gomes, grande mestre de guitarra que tem ensinado gerações e a quem eu muito devo; a Maria Luísa Anido, a ‘Mimita’, argentina, que é um símbolo e com quem eu tive o privilégio de trabalhar. Coisas do meu passado que aqui se juntam, como histórias paralelas que se vão contando, uma delas como se fosse a nossa voz.”
Uma voz que se exprime no som único da guitarra portuguesa. “Vai trazendo outros mundos. A guitarra está no fado e está muito bem, mas podem fazer-se muitas outras abordagens, cada qual à sua maneira. Porque ela é mágica, é um instrumento mágico.”