Bloco e PSD querem passar decisões de Manuel Salgado a pente fino
Assembleia discute três iniciativas para avaliar decisões de Salgado. O PÚBLICO mostra o mapa das obras e opções mais polémicas dos últimos tempos.
Onze anos depois de ter assumido a pasta do Urbanismo, o vereador Manuel Salgado vai esta terça-feira ser confrontado com três pedidos inéditos na assembleia municipal: que a sua actuação seja passada a pente fino pela Procuradoria-Geral da República e pelos deputados.
As propostas surgem das bancadas municipais do PSD e do Bloco de Esquerda e ainda de um deputado municipal independente (ex-Bloco) e baseiam-se na entrevista que o ex-vereador Fernando Nunes da Silva deu ao Sol há duas semanas. Nela, o antigo eleito dos Cidadãos por Lisboa lança suspeitas sobre a conduta de Manuel Salgado e dos serviços de Urbanismo em diversos processos decididos pela câmara.
A entrevista não revela nada que já não se dissesse há vários anos na própria assembleia municipal, mas o facto de as críticas virem de um antigo aliado de António Costa e Helena Roseta parece ter legitimado os deputados a dar um passo que até aqui não tinham ousado.
Depois de, na semana passada, o PSD e um deputado independente terem anunciado iniciativas sobre o assunto, esta segunda-feira foi a vez do Bloco de Esquerda se chegar à frente. Os deputados do partido querem que a assembleia municipal, através da sua Comissão de Ordenamento do Território, Urbanismo, Reabilitação Urbana e Obras Municipais, analise as mais controversas decisões de Salgado. A saber: a construção de uma torre de escritórios em Picoas; a demolição de um moderno quartel de bombeiros para permitir a ampliação do Hospital da Luz; a venda de um terreno em Alcântara ao grupo Mello, que aí está a construir o Hospital CUF Tejo.
A porta fica aberta a que o âmbito do inquérito possa incluir também outras decisões da câmara em matéria de Urbanismo. E, recentemente, várias têm sido as polémicas relativas às opções da autarquia.
Na proposta que vão levar a plenário, os bloquistas lembram que, no mandato passado, já tinham lançado críticas e dúvidas sobre vários destes assuntos – Ricardo Robles foi, aliás, uma das vozes mais ferozes da oposição a Medina e Salgado antes das autárquicas de 2017. Como o acordo de governação assinado com o PS há um ano diz que as duas forças políticas mantêm autonomia na assembleia, o Bloco entende este pedido como uma forma de mostrar que não está amarrado por Fernando Medina.
A sugestão do Bloco é semelhante à do seu ex-deputado, agora independente, Rui Costa. Também este eleito pede a intervenção da Comissão de Urbanismo da assembleia, chamando Nunes da Silva – “se o mesmo aceitar” – a dar explicações.
Na prática, a serem aprovadas, estas propostas traduzir-se-iam numa espécie de comissão de inquérito, comuns no Parlamento mas raras na assembleia lisboeta. No ano passado, este órgão autárquico tentou fazer algo semelhante para as obras da Segunda Circular, mas a fiscalização não durou mais do que uns escassos 20 minutos.
O PSD é mais radical e quer que a câmara peça ao Ministério Público uma sindicância aos serviços de Urbanismo. “Nestas acusações [de Nunes da Silva] são reportados casos que urge clarificar e relativamente aos quais ainda não prescreveram a adopção de decisões revogatórias por parte da câmara”, argumentam os deputados sociais-democratas.
A última vez que houve uma sindicância aos serviços de Urbanismo foi em 2007, por despacho do então presidente Carmona Rodrigues, que nesse mesmo ano perderia a câmara para António Costa. Manuel Salgado, que já antes fora convidado a integrar a autarquia, assumiu as funções de vereador e, mais tarde, de vice-presidente.
A sindicância de 2007 deu origem a um relatório com mais de 300 páginas e 41 dossiês anexos, nos quais a procuradora nomeada analisou dezenas de operações urbanísticas e apontou ilegalidades em várias. Diversos funcionários e dirigentes da câmara enfrentaram processos disciplinares e alguns foram despedidos.
Tanto o Bloco como Rui Costa consideram que é prematuro pedir a sindicância. Primeiro, dizem os bloquistas, há que averiguar as suspeitas na assembleia – só depois, com base no que se concluir, é que se devem tomar mais acções. Já o deputado independente aponta à proposta do PSD o que diz ser uma incongruência: pedir à câmara que peça uma auditoria à própria câmara.