"Taxas" sobre links e filtros de censura na Internet
É lamentável que a via escolhida para alegadamente proteger os autores na Internet implique o atropelo de direitos fundamentais dos cidadãos.
Desde 2016 que a reforma europeia do direito de autor está a ser discutida na UE e é seguida com muito interesse pelos cidadãos. A consulta pública bateu recordes de participação e têm-se multiplicado iniciativas da sociedade civil e petições sobre o tema.
Muitos são os que se têm pronunciado contra esta reforma: inúmeros académicos, organizações de direitos humanos e digitais, organizações de conhecimento livre como a Wikimedia, comunidades de software livre, personalidades da Internet – como o seu inventor, Vint Cerf, o inventor da Web, Tim Berners-Lee, ou o pai da neutralidade da Internet, Tim Wu – e até o relator especial das Nações Unidas para a liberdade de expressão, entre outros. A favor parecem estar somente aqueles que dela beneficiam economicamente.
Mas poucos ecos desta discussão chegam a Portugal. De que se trata, afinal? Em causa estão medidas que visam atribuir uma espécie de renda garantida a algumas indústrias, por via legislativa. Três exemplos.
Na educação, abre-se porta à cobrança de uma taxa semelhante à famosa taxa da cópia privada, mas esta devida pela utilização digital de obras para fins de ensino, a ser suportada pelas nossas escolas e universidades.
Na imprensa, cria-se uma “taxa” sobre ligações para conteúdos jornalísticos quando estas incluam o título e uma pequena pré-visualização (o texto não é claro, as propostas diferem no pormenor e existem interpretações divergentes). O que significa que as plataformas em que partilhamos notícias, como o Facebook, vão ter de pagar aos media para que possamos partilhar esse tipo de links. Já plataformas como o Google News terão também de pagar para listar esses conteúdos e levar visitantes até à página do respectivo órgão de comunicação social. É algo que foi já tentado sem sucesso em Espanha e na Alemanha, e que ainda para mais é perigoso, pois sabemos que à diminuição de circulação de conteúdos jornalísticos profissionais nas redes sociais segue-se um aumento da circulação das fake news.
Por fim, o artigo 13 impõe que plataformas usadas para a publicação de conteúdos, como o YouTube, passem a pagar o licenciamento de todos conteúdos que são enviados pelos seus utilizadores – algo pouco provável de acontecer. Em alternativa, essas plataformas são sujeitas a obrigações que apenas podem ser cumpridas com recurso a mecanismos automáticos de censura prévia – filtros de upload – que impeçam os utilizadores de enviar conteúdos que possam conter obras ou partes de obras cujo autor não permite a sua utilização.
Sabemos hoje que este tipo de filtros são cegos, incapazes de distinguir utilizações ilícitas das utilizações perfeitamente legais, como o fair use americano ou as nossas correspondentes exceções ao direito de autor, como a paródia ou a citação. Sabemos também que responsabilizar diretamente as plataformas por tudo o que qualquer pessoa possa lá publicar fará com que aquelas se adaptem de forma a proteger os seus próprios interesses: vão adotar posturas de censura apertada e em caso de mínima dúvida optarão sempre por apagar conteúdos. Com certeza não esperamos que estas plataformas venham altruisticamente defender direitos fundamentais dos cidadãos como a liberdade de expressão, quando para isso arriscariam a sua própria responsabilização pelo conteúdo em causa. Para mais, a legislação atual já permite apagar de forma célere tudo o que seja comunicado como estando a infringir direitos.
É lamentável que a via escolhida para alegadamente proteger os autores na Internet implique o atropelo de direitos fundamentais dos cidadãos. Os fins não justificam os meios, e nada justifica a censura.