Encostar Theresa May à parede servirá de alguma coisa?
May contava que os seus pares preferissem um mau plano à ausência de qualquer plano. Enganou-se.
1. Houve algumas surpresas no Conselho Europeu informal de Salzburgo. O endurecimento do tom dos parceiros europeus relativamente ao "Brexit" não estava nas estrelas. Pelo contrário, esperava-se – e Theresa May mais do que ninguém – que os líderes europeus dessem uma mão ao "plano Chequers", que está a ser alvo da maior contestação interna por parte dos conservadores mais radicais e dos fanáticos do "Brexit". A primeira-ministra está num estado de fragilidade deplorável. Contava que os seus pares europeus preferissem um mau plano à ausência de qualquer plano a que a radicalização pode conduzir. Enganou-se. Os dois principais pontos de fricção mantêm-se: a fronteira entre a Republica da Irlanda e a Irlanda do Norte e um acesso parcial ao Mercado Interno apenas no que diz respeito às mercadorias, mas não às pessoas ou aos serviços. As posições mais duras foram de Macron e de Merkel, embora cada um no seu estilo. A hipótese de uma cimeira extraordinária em Novembro para dar mais tempo a May foi provisoriamente retirada. O Conselho Europeu de 18 de Outubro será a “hora da verdade”, disse Donald Tusk, adiantando que a União Europeia tem em preparação um cenário de não acordo. Pergunta: a que se deve este endurecimento? As explicações apontam para um forcing final que leve a que a Convenção Conservadora que se realiza entre 30 de Setembro e 3 de Outubro seja o momento de clarificação entre os Tories, abrindo as portas para uma verdadeira negociação final. Os conservadores pró-europeus têm de dar a cara. Os fanáticos do "Brexit" têm de falar a sério das consequências. O risco de May cair não parece ter sido equacionado. Boris Johnson tem o seu séquito mas é uma aposta demasiado arriscada, por excesso de ambição e de sectarismo.
Uma análise da cimeira que vá mais aos pormenores aponta também para alguns erros de May, que levaram o Presidente francês a uma posição muito mais dura, que os outros acabaram por seguir. Primeiro, May lembrou-se de ler, praticamente, um artigo de opinião que escreveu para o Die Welt que, como tal, era demasiado taxativo e formal. Segundo, terá dito ao seu parceiro irlandês, num pequeno-almoço que precedeu a cimeira apenas a 27 para discutir uma posição comum, que via muito poucas hipóteses de alterar o conteúdo do "plano Chequers" sobre a fronteira irlandesa. May sobreavaliou a sua margem de manobra. Ficou sem nenhuma. Até os seus homólogos húngaro e polaco, que tinham feito questão de mostrar publicamente a sua abertura aos planos de May, acabaram por remeter-se ao silêncio.
2. Os Conservadores britânicos têm nas mãos, como tantas vezes tiveram desde o pós-guerra, uma bomba ao retardador. Nada os divide mais do que a Europa. Mas a reacção da generalidade da imprensa britânica, mesmo a pró-europeia, como o Financial Times ou o Guardian, não é animadora quanto ao futuro. A palavra mais repetida é “humilhação”. May foi “humilhada” em Salzburgo. Houve uma “emboscada”. Ninguém gosta de ver um primeiro-ministro humilhado. A palavra traz ao espírito um texto publicado a 28 de Julho no Guardian pelo historiador britânico (pró-europeu) Timothy Garton Ash, cujo título era “A humiliating Brexit deal risks a descent into a Weimar Britain”. O próprio autor adverte que exagera propositadamente nas consequências de um "Brexit" humilhante, quando fala da humilhação de Versalhes ou da República de Weimar. “Não imagino milhões de desempregados ou um novo Hitler a chegar ao poder ou uma guerra desencadeada por Boris Johnson.” Mas acrescenta que é mais prudente exagerar os riscos para tentar alertar para o que está em causa. E pensa também que os 27 parceiros do seu país tendem a minimizar esses riscos, evitando um debate estratégico que ultrapasse, nesta fase final, as negociações mais técnicas levadas a cabo disciplinadamente por Michel Barnier. Garton Ash tem razão. Esse debate não tem existido. Esta cimeira acabou mais uma vez por adiá-lo. O historiador britânico também vai lembrando que muitas coisas que considerávamos impossíveis há dois ou três anos aconteceram, a começar pelo resultado do próprio referendo britânico. “Um partido de extrema-direita na Alemanha com um apoio nas sondagens quase igual ao dos sociais-democratas? Impossível. Um Presidente dos EUA xenófobo, mentiroso, narcisista, que chega a ameaçar uma guerra nuclear no Twitter? Impossível.”
3. E não é só a fraqueza de Theresa May e as divisões dos conservadores. Os europeus têm de levar em conta que o actual líder do Labour, Jeremy Corbyn, é tudo menos um europeísta – nunca foi –, o que complica ainda mais a situação, e que a pressão para um novo referendo se vai fazer sentir fortemente na conferência dos trabalhistas, que precede a dos conservadores, que se realiza entre 23 e 26 de Setembro. Se um acordo – um "plano Chequers" devidamente revisto – chegar a ir ao Parlamento para ratificação, May vai precisar dos votos do Labour. Calcula-se que no mínimo 40 dos deputados do seu partido votem contra. Qual será o modelo final? Norueguês? É difícil. Canadiano? É pouco. Um outro qualquer? O que é mais aflitivo é que ambas as partes têm imenso a perder e qualquer quantificação sobre quem perde mais ou menos é perfeitamente irrelevante: é a Europa que perde. Faltam seis meses para o Reino Unido sair da União, com ou sem acordo (29 de Março de 2019). Para todos os efeitos, a única certeza é que esse será sempre um mau dia para a Europa. Que seja o melhor possível.
4. Aparentemente, os líderes europeus resolveram não radicalizar demasiado o outro grande tema da cimeira: as migrações. Mas também é verdade que não houve avanços significativos, a não ser, talvez, uma maior vontade de encontrar soluções que “aliviem” a oposição radical de alguns países da Europa de Leste, a começar pela Hungria, e da própria Itália – embora os seus objectivos sejam aparentemente opostos. Em relação à Itália há uma condição: lembrar-lhe que deve cumprir as leis do direito marítimo, que obrigam ao socorro de quem está em aflição, ou seja, aceitar que a Itália continue a funcionar como “primeiro porto de desembarque”, tendo como contrapartida uma distribuição dos recém-chegados por outros países europeus, voluntários. Quanto aos que já cá estão, não houve avanços significativos, a não ser uma proposta francesa em desenvolvimento que parte do princípio de que alguns países vão continuar a ignorar qualquer ideia de solidariedade ou de dever, não aceitando refugiados no seu território, propondo-lhes outra forma de participação, por exemplo, financeira. Chamam-lhe “solidariedade flexível”. Os termos ainda são muito vagos. O problema de fundo não desapareceu nem desaparecerá.
5. O Governo de Roma parece mais inclinado em não abrir uma frente de batalha em Bruxelas por causa do Orçamento – o establishment económico não apreciaria. Tem de aprovar o Orçamento para 2019 até 27 de Setembro e enviá-lo para Bruxelas. Os mercados são sensíveis a cada sinal de desentendimento dentro da coligação entre a Liga de Salvini e o Cinco Estrelas de Di Maio, com o ministro responsável, Giovanni Tria (independente), a tentar a quadratura do círculo. Salvini quer uma baixa radical de impostos sobre uma parte das empresas. Di Maio insiste no célebre rendimento básico para toda a gente (rendimento de cidadania). Tria aponta para um défice de 1,6% para o próximo ano. Di Maio não se importa de ir até aos 2,5%. O problema que estraga todas as contas italianas é uma economia que teima em não crescer, mesmo quando o resto da Europa já retomou o crescimento. As previsões para este ano não ultrapassam 1,4% e, no próximo, 0,9. O que se passa com a economia italiana, estagnada há quase duas décadas, é a grande questão que nem Salvini pode ignorar.