Leucemia mielóide crónica: a revolução em forma de comprimido
A viragem do século trouxe consigo uma revolução no tratamento desta doença.
O nome de leucemia traz consigo uma carga tremenda, para a maioria das pessoas significa uma vida abreviada. No entanto, no século XXI já não é assim para quase todas as formas da doença, e muito menos para a leucemia mielóide crónica. De facto, a viragem do século trouxe consigo uma revolução no tratamento desta doença.
Os que acompanhávamos atentamente a evolução dos conhecimentos acerca da sua natureza, o rápido galopar dos acontecimentos, possível com a introdução das técnicas de biologia molecular, sabíamos que algo de novo estaria para acontecer. E foi assim que tudo se passou: Brian Drucker, hematologista e investigador na Universidade da Carolina do Sul (EUA), trouxe-nos o que era tão ansiosamente aguardado.
No seu laboratório, ao fim de porfiados esforços, conseguiu sintetizar uma molécula que se revelou a chave para a abertura da porta molecular da leucemia mielóide crónica, doença terrível até então, só curada pelo transplante de medula óssea. Essa molécula, inicialmente chamada STI-571 e mais tarde imatinib, veio modificar radicalmente o tratamento da doença. Apresentada sob a forma de um comprimido, um simples comprimido, que tomado diariamente permite, na maioria dos casos, obter uma normalização das análises e, mais do que isso, uma resposta molecular que faz com que as pessoas que a obtenham passem a ter uma esperança de vida idêntica à de qualquer outra pessoa. Desde o início deste século está disponível para o tratamento da doença.
Nem todos os casos respondem tão bem e para esses já surgiram novos medicamentos, da mesma classe do imatinib mas mais potentes e eficazes. Actualmente há já três gerações de inibidores da tirosina cinase (nome dado a essa classe de medicamentos) e para aqueles casos, raros, em que não se obtém uma resposta adequada o transplante de medula óssea é ainda uma opção muito válida.
Hoje em dia, com a vulgarização das análises ao sangue, muitos casos são diagnosticados no início e sem quaisquer sintomas. O diagnóstico mais tardio é feito quando se pedem análises para investigar queixas pouco específicas como cansaço fácil, sensação de enfartamento por dilatação do baço, nódoas negras sem causa aparente, febre persistente, infecções ou outras.
Colocada a suspeita é necessário confirmar o diagnóstico e este é feito pelo estudo da medula óssea, através de um exame chamado mielograma. Depois de uma anestesia local uma agulha é introduzida nos ossos da bacia e aspirada uma pequena quantidade de sangue medular. Nesse produto são feitos diversos exames: o estudo do aspecto das células, a pesquisa de alterações genéticas nos cromossomas (a presença do chamado cromossoma Filadélfia diagnostica a doença) e estudos moleculares (a pesquisa da proteína BCR-ABL, tão característica da situação).
Confirmado o diagnóstico é tempo de começar o tratamento, regra geral com o imatinib, embora em condições particulares se possa escolher outro inibidor da tirosina cinase. Depois, é preciso avaliar a resposta ao tratamento, o que é feito através do doseamento do BCR-ABL no sangue. O que está aceite como recomendável é que esse doseamento, que para ser fiável tem de ser feito num laboratório de referência acreditado internacionalmente, seja repetido aos três e seis meses de tratamento e depois com a regularidade que a resposta obtida o necessitar.
A avaliação do tratamento e a vigilância do doente exigem que o seu acompanhamento seja feito por um especialista em hematologia com acesso às modernas técnicas de biologia molecular e experiência que lhe permita tomar decisões quanto a mudanças do medicamento, ou mesmo (imagine-se!) a sua paragem nos casos, poucos, em que uma resposta excelente mantida durante vários anos permita colocar essa possibilidade.