Realojamento do Jamaica: "Promessas há muitas mas não vejo nada feito”

Até agora, a Câmara do Seixal ainda não garantiu quando é que pode realojar as famílias que vivem no prédio mais em risco. Espera que seja até ao fim do ano. Há gente com coisas empacotadas desde Janeiro, ansiosos por sair. Moradores vão ser distribuídos pelo concelho.

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O lote 10 é o prédio em maior risco e será o primeiro a ser realojado NUNO FERREIRA SANTOS

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Clarinda, 66 anos, tem parte da sua casa em caixotes. Há meses que entregou os documentos que a Câmara Municipal do Seixal (CMS) lhe pediu de modo a ser realojada. “Disseram que não íamos para um bairro social. Mas não sei para onde vou. Não sei mais nada”, desabafa.

É moradora desde 1994 no bairro da Jamaica — ou Vale dos Chícharos —, um rés-do-chão no lote 10, que está em maior risco de segurança e que portanto será o primeiro dos nove prédios a ser despejado e logo demolido. “Este prédio aqui era todo nu, não tinha nada, não tinha ninguém”, recorda.

O edifício tem os fios da electricidade à mostra, os tijolos com buracos. O chão é cimento e lá dentro está escuro porque não há luz nas escadas. A casa de Clarinda é luminosa. Tem dois frigoríficos, um que não funciona bem e outro novo desligado à espera da casa nova para se estrear. Passando uma cortina que dá acesso ao quarto, os caixotes com coisas prontas a sair empilham-se do lado esquerdo. “Tenho medo. Estou por cima de água. Todo o esgoto e água que as pessoas usam em casa vai lá para baixo”, aponta para o chão.

Situado no Fogueteiro, o bairro da Jamaica apareceu depois da falência da empresa construtora – os terrenos acabaram por ser vendidos pela Caixa Geral de Depósitos em hasta pública ao seu actual proprietário, a empresa Urbangol.

Os prédios ficaram a meio da construção, e isso significa que não estão completas as fundações, a rede de água, electricidade, esgotos. À medida que o tempo passou, as casas foram sendo ocupadas por famílias maioritariamente de origem africana, sobretudo de São Tomé e Príncipe.

Há décadas que os mais de 200 agregados vivem sem condições de segurança. Finalmente no ano passado, o Ministério do Ambiente anunciou que iria proceder ao seu realojamento, numa colaboração entre o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), a Câmara Municipal do Seixal e a Santa Casa da Misericórdia, num investimento de cerca de 15 milhões de euros. O realojamento está previsto acontecer em fases, entre 2018 e 2022.

Em Dezembro a CMS disse ao PÚBLICO que em Abril iria definir-se uma data para o realojamento das 65 famílias que vivem no lote 10. Aos moradores disseram “arrumem as vossas coisas”, afirma Vanusa Coxi, da Associação de Moradores.

Só que até agora ainda não se sabe quando vão sair. O que se sabe é que a saída de todos acontece ao mesmo tempo para evitar que as casas que ficam livres sejam de novo ocupadas — com isto a Associação de Moradores concorda. “Foi também um pedido nosso, há muita gente aqui a viver em dificuldade e basta que uma casa vague para ser ocupada”, acrescenta.

A CMS reconhece que há atrasos por questões burocráticas que surgiram com a contratualização das casas e a sua reabilitação. Porém, diz que estão praticamente ultimadas e que se prevê que a erradicação do lote 10 aconteça até ao fim deste ano – a autarquia vai ainda desencadear o processo relativamente à população que está no lote 13, realojando mais 35 famílias. Segundo a autarquia, as partes estão empenhadas em “ultrapassar todos esses constrangimentos de forma célere”.

Na semana passada, já depois do contacto do PÚBLICO para um ponto da situação, a CMS pediu à associação uma reunião na qual lhe transmitiu, esta terça-feira, esta mesma informação. A associação pediu à autarquia que chamasse as pessoas e lhes desse “uma justificação”, pois estão à espera. 

Vanusa Coxi já viu algumas casas em fotografias, “existem algumas boas”, diz. Os moradores vão ser distribuídos por vários bairros do concelho. “Por um lado aqui [no Jamaica] é bom, uma pessoa sai e pede a alguém para dar um olho às crianças. Mas o sonho de sair daqui e ter uma casa condigna é mais forte. Quando foi o recenseamento muitos disseram que não se importavam de continuar cá mas se fosse com as condições que têm as outras casas. Há outras pessoas para quem o facto de o bairro acabar é óptimo”, continua. Ela é uma delas: não se importa de recomeçar num prédio onde não conhece ninguém. “Os meus filhos vão perder alguma liberdade, mas aqui também têm demasiada liberdade e é preciso incutir alguns limites. Fora daqui vai ser possível.”

O fim do estigma

Em Janeiro, muitos habitantes do lote 10 começaram a empacotar os seus pertences. Andresa Soares é uma delas, tem expectativa de sair. Arrumou “certas coisas” em Janeiro e assim as deixou ficar. “Estamos à espera”. Teme o que pode acontecer ao prédio. Há 27 anos no bairro, e das poucas portuguesas, Teresa Vieira diz: “Já não sei o que quero, promessas há muitas mas não vejo nada feito”.  

Se há quem queira ficar e resista a mudar para um lugar desconhecido, muitos jovens não pensam noutra coisa. Com 22 anos, Paulo Reis está cheio de "uma vida melhor”. “Tenho a certeza que na nova casa vou ter melhores condições. Só quero algo melhor para mim. Ninguém vai ficar aqui para sempre”, completa este mecânico de navios. 

Erminda Monteiro, 26 anos, partilha a ansiedade. Há nove anos a morar no lote 10, diz que gostaria de estar num sítio “mais confortável”. “Tenho medo que o prédio desabe, com o pessoal cá dentro”. Auxiliar de cozinha, imagina a nova casa: “Não vou ter barata, não vou sentir muito frio como sinto aqui.” Já tem tudo preparado para quando for preciso sair. Não sabe é ainda qual a renda que irá pagar. “Saudades terei do bairro, mas há as fotos”, ri. “O bairro acaba, mas as relações não precisam de acabar. Se quiser pego no telefone”. Uma coisa muda: deixar de ter vergonha de dizer onde vive. “Mesmo no local de trabalho, se dissermos que moramos no Jamaica as pessoas ficam assim…. Há muito preconceito. Costumo dizer que moro na Rua 25 de Abril. O que não é mentira…!”.

Alfredo Lopes, 53 anos, concorda: “Se for para outro sítio a gente é bem acolhido, acho que as pessoas me vão respeitar mais”.

Entretanto, durante a conversa, chegam à porta do prédio Diego, Eduardo e “Messi” (na verdade Artur), de 10 e 11 anos, a dizerem piadas. Estão desejosos de ir porque “as casas não têm condições”. Em tom de gozo, imaginam a nova casa como “uma mansão”, com casa de jogos, “tipo a casa do Cristiano Ronaldo”. 

Dirce Noronha, também da associação, perdeu a esperança. Acho que a CMS não tinha noção do quão complicado é o processo. “As pessoas estão apreensivas. Mesmo eu”, confessa. 

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