A indignação instantânea e os seus aliados
Continuamos a alimentar o gosto pela desilusão, até que ela se nos imponha, anulando qualquer possibilidade de verdadeira insubmissão quando esta for mais necessária, como para defender as democracias.
Tal como para um orgulho profundo ou para uma alegria sentida é preciso deixar passar algum tempo, alguma demora, também o deveria ser para a indignação. Mas, como vivemos simultaneamente acelerados e cansados e disso fazemos negócio – sempre “gaseados”, dir-se-ia no pós-1.ª Guerra -, não há sequer a capacidade e o luxo do recolhimento e da pausa.
Assim, também o quotidiano se vai preenchendo com indignações sucessivas, sempre radicais e absolutas na sua emergência, mas sempre sucedâneas de si próprias e de uma ideia central de indignação, esta que nunca aparece. Indignações colectivas, instantâneas e superficiais, que se anulam na sua corrida entre si, e deixam apenas um travo a desesperança e a anulação do futuro.
Este estado de coisas favorece desde logo uma possibilidade perigosa, que é a de pensarmos que a esperança e o futuro são algo sujeito a oferta por parte de alguém.
Claro que o discurso político é feito de esperança e futuro, na sua retórica e na sua estrutura. Mas há um acordo tácito entre governantes e governados de que os primeiros fingem prometer o que acham que conseguem e os segundos fingem acreditar na confiança e no sucesso daqueles. Por isso os resultados em política são substancialmente mais relevantes do que as palavras. E por isso também não podemos executar em tribunal promessas – contratuais – dos governantes...
O problema é que nos tempos de maior desesperança e desilusão – fundadas ou não, é irrelevante – este acordo milenar tende para o desacerto. E aí aparecem as personagens que, a coberto de uma qualquer indignação última, cavalgando a onda de sucessivas indignações, descobrem que são os únicos em condições de salvar as pátrias, normalmente deixando um rasto, nunca apresentado previamente, de destruição atrás de si. Recorrem aos argumentos e aos sentimentos mais imediatos e mais comuns à espécie humana - e, acima de tudo, ao medo e à promessa de uma falsa sensação de justiça.
É esta Europa que se anuncia agora, 70 anos e duas gerações depois da guerra. Mas também entre nós, à nossa medida, estamos prontos para acolher as sucessivas indignações de superfície, sem sequer nos determos sobre a sua realidade e fundamento. Com o pretexto legítimo da transparência e da publicidade, exigimos sempre uma qualquer nudez que ponha cobro à nossa indignação e que confundimos com a verdade. E como essa nudez nunca é de leitura única – e há gostos!... –, a verdade torna-se matéria de fé. Continuamos a alimentar o gosto pela desilusão, até que ela se nos imponha, anulando qualquer possibilidade de verdadeira insubmissão quando esta for mais necessária, como para defender as democracias. Esse é o efeito mais grave do rastilho de indignações superficiais e sucessivas que fingimos e alimentamos.