A reforma que pode não sair da lei
As áreas verdadeiramente decisivas para a descentralização só serão aprovadas a 12 de Outubro, ou seja, já não constarão do último exercício orçamental deste Governo.
“Descentralização, base da reforma do Estado” é o título do capítulo que o PS decidiu inscrever no seu programa de Governo e que, numa interpretação literal, deveria ser a prova do empenho que os socialistas colocam em reformar a administração central através da passagem de competências para estruturas de base local - o que, num país amputado da sua dimensão regional, quer dizer autarquias ou, quanto muito, áreas metropolitanas (AM).
Mas acreditar nas boas intenções do PS neste capítulo fica só mesmo na interpretação literal. Quem conhece o historial dos socialistas sabe ler nas entrelinhas e perceber que estamos perante um “falso rápido” no que à descentralização diz respeito. O “falso rápido” é aquele que nos dá a entender que está prontíssimo para resolver um assunto porque parece muito dinâmico, mas quando chegamos ao fim percebemos que ele pouco mais fez do que andar à roda. Os socialistas, com Eduardo Cabrita ao leme, elevaram isto à categoria de arte.
Se calhar já nos esquecemos todos, mas no programa estava a eleição do órgão executivo das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) e a eleição dos presidentes das áreas metropolitanas, e até íamos ter “quatro boletins de voto” nas autárquicas. Durante meses reuniu-se, discutiu-se, mas a reforma das AM morreu antes de nascer, o mesmo aconteceu com a das CCDR.
Sucedeu-lhe, no ímpeto reformista, o “pacote da descentralização” para as autarquias. Desta vez chegou até ao Parlamento com as alterações à lei-quadro para a transferência de competências para as autarquias e entidades intermunicipais. Só que, de seguida, era preciso legislar em cada área a transferir e determinar muito bem o pacote financeiro que lhe corresponde, condição sem a qual, com razoabilidade, nenhuma autarquia pode aceitar os novos encargos.
Mesmo com a vontade enunciada de que esta reforma se processe nesta legislatura, o processo tem demorado e ontem soubemos que as áreas verdadeiramente decisivas (como educação, saúde ou vias de comunicação) só serão aprovadas a 12 de Outubro. Ou seja, já não constarão do último exercício orçamental deste Governo.
Não custa imaginar que, num executivo que conta com o olhar sempre vigilante de Mário Centeno, esta negociação seja difícil. Mas se não quiser ficar com a imagem do "falso rápido" e dar razão às palavras de Álvaro Amaro - “Estamos a menos de um ano do fim da legislatura e até agora resultados práticos são zero” – o Governo precisa mesmo de mostrar maior empenho. Até porque depois disto ainda vai ser preciso convencer as autarquias e, se tivermos em conta a disposição enunciada por muitas delas, a reforma corre o risco de não sair do papel...