Primeiro ponto — e convém nunca esquecer o primeiro ponto. "O Temporada é um café para trabalhar, concebido para quem procura flexibilidade e conforto num espaço que, não sendo a própria casa, também está longe de ser um escritório convencional". O segundo ponto é uma declaração de interesses — que está nas linhas e nas entrelinhas da conversa com os mentores, gestores e pivots deste projecto. "Acreditamos que o trabalhador independente (e criativo) é o profissional do futuro, que contribuirá para o surgimento de uma economia pós-capitalista, mais justa e mais equilibrada. Daremos o nosso melhor para que isso se torne uma realidade."
Há um pequeno manual de instruções a dominar mal entramos no número 151 da Rua da Torrinha, no Porto. Escolher um lugar para trabalhar por dois euros à hora e deduzir o valor no bar. E há um aviso que se repete as vezes que for preciso como uma frase escrita num quadro de lousa. Não é um castigo, antes um prazer. "Este é um local de trabalho. Por favor, faz os possíveis para não incomodar os outros."
"Acredito que no futuro é este tipo de negócio que poderá fazer a diferença", explica à Fugas Vítor Miller, há algum tempo atraído pelo conceito cowork para criativos e pela busca de um negócio sustentável à volta disso. "A fonte de rendimento não poderia ser o aluguer da mesa. Porque é muito difícil lidar com uma secretária vazia. No cowork isso é um problema", justifica, lembrando que foi assim que foi surgindo a solução na forma de "um café" que seria "o motor económico" do negócio. Apresenta-se desta forma um cowork "mas com a porta aberta ao público", um modelo "inovador em Portugal", "um café com mobiliário de cowork", "um café que é um café para trabalhar" e onde se "cobra à hora".
"Trabalha-se em comunidade, colaborativamente. Replica-se o modelo de cowork, mas com a porta aberta", repete pedagogicamente Vítor, que partilha a aventura com o sócio Pedro Marques. O Temporada massifica esse acesso, entrega as vantagens de um cowork ao público em geral e procura criar o efeito de comunidade no contexto de café, espaço onde normalmente não se fala com a pessoa do lado só porque sim. "Aqui gostava de explorar isso", avisa o "pivot", que é como quem diz, aquele que conhece e tenta ligar os clientes de uma forma natural e descontraída — uma função mais abrangente do que a de um "community manager".
Dois euros à hora — como era nas discotecas, com cartão e tudo. É "uma espécie de consumo obrigatório. Em nenhum momento este modelo te barra a entrada. Só há uma regra: tens que consumir." Exemplo prático, por favor. "O prato de hoje custa 6,50 euros. Já ultrapassa as três horas aqui. Se beberes mais uma limonada podes ficar para além de quatro horas".
O prato e os ingredientes do dia já estão rabiscados a verde nos azulejos brancos da cozinha que nos dá as boas-vindas neste espaço despojado, quase asséptico. Trigo-sarraceno, cenoura assada, beterraba assada, nozes, queijo feta e rama de beterraba assada ligeiramente crocante — tudo no mesmo prato. "Comida vegetariana nutritiva que não nos deixe pesados", sugere Teresa Justo, que se divide entre a sala de refeições do Época (vizinho da Rua do Rosário) e a cozinha do Temporada, ainda a "unir pontos" e com o menu em construção.
"Quero brincar com os ingredientes, jogar com os produtos da estação e angariar o máximo de produtos locais e portugueses", diz Teresa, 24 anos. A lista — pedidos ao balcão, por favor — inclui snacks (tosta + manteiga de girassol + fruta; iogurte + pó de granosa de laranja + manteiga de sésamo & mel + fruta), opções mais completas para o almoço e uma ou outra surpresa (que surpreendam todas como o Beanie, uma espécie de brownie mas feito com feijão-preto, tâmaras, coco ralado e açúcar natural). "Tudo simples até porque não se pode fazer muito barulho e incomodar quem trabalha. Se o Vítor quisesse uma coisa mais fantabulástica se calhar arranjava um chef, alguém formado em hotelaria. Eu gosto de comida de uma forma muito natural. Cozinho em casa."
O Temporada também é uma segunda casa, com várias "assoalhadas". Dos fundos para o hall de entrada: um terraço, três mesas (com rodas) em ilha, uma sala de reuniões com uma enorme porta de correr que se pode transformar numa pequena sala de espectáculos, uma zona de mesas para trabalhar de pé que se transformam num pequeno auditório, cacifos e um balcão de trabalho, isto para além de duas estruturas mais recatadas (Skype Hub e Nap Hub, ambos forrados com tapetes feitos à mão na zona de Barcelos) onde é possível ter uma conversa mais privada ou simplesmente dormir uma sesta.
Há ainda um chuveiro e duas casas-de-banho, o sítio perfeito para "sonhar, criar, chorar, pensar e organizar", um espaço que sazonalmente será entregue a criativos (a vianense Hey Cecília! Inventou um "fix", um "sonix" e um "falix"). A partir do dia 22 de Setembro, o Temporada já estará integrado nas Inaugurações Simultâneas de Miguel Bombarda/Porto Art District.
Joana Carvalho "é a mentora do espaço e do conceito", apresenta Vítor, que encontrou no Dínamo 10, em Viana do Castelo, projecto-piloto da arquitecta, o modelo "mais interessante" de cowork. "Ela garantiu que não estávamos a fazer nenhuma asneira em termos conceptuais", assume. Traçou os espaços, desenhou o mobiliário (em contraplacado de bétula assente em estruturas metálicas), acompanhou a construção do mesmo com o carpinteiro e o serralheiro, aprendeu com eles também. "Eles contribuíram com informação e detalhes que beneficiaram o projecto", sublinha Joana, viciada em trabalhar com equipas multidisciplinares de forma a atingir um fim.
É um espaço "para trabalhar, relativamente calmo, onde não vai haver muito ruído". É um espaço onde "potencialmente, à medida que o tempo vai passando, se pode encontrar outras pessoas com quem se pode estabelecer contactos profissionais e com projectos interessantes". "É um espaço onde é servida brain food, onde sabemos o que estamos a comer e porque é que esses alimentos são bons para o cérebro e de que forma é que potenciam a tua energia criativa."
O Temporada, completa Vítor Miller, é um "espaço de tempo para uma determinada actividade que queremos que seja uma actividade profissional". "O nome faz-me lembrar uma tempestade moderada", resume. "Estamos muito interessados em perceber como é que os artistas podem usufruir deste espaço e como é que nós podemos valorizar o seu trabalho." Anotem a password da rede wifi: trabalhoindependente1.