De condicionais a ASDI
Os autores do documento Opções Inadiáveis protagonizaram a maior cisão no PSD. Levaram 37 deputados, ficando Sá Carneiro à frente de uma bancada com apenas 36 parlamentares.
Com o partido aparentemente pacificado, Sá Carneiro sai vitorioso dos III e IV Congressos realizados de seguida em Leiria, a 30 e 31 de Outubro de 1976, para oficializar a mudança do nome para Partido Social-Democrata, da sigla para PPD-PSD — aprovada a 3 de Outubro por um conselho nacional em Cascais — e consagrar a criação do cargo de presidente do partido e de três “vices”. É o momento em que o partido vive o chamado “espírito de Leiria”, uma unidade formalizada ao nível da direcção com a eleição de Barbosa de Melo, António Sousa Franco e Rui Machete como vice-presidentes, de Magalhães Mota como secretário-geral e de Sá Carneiro como presidente.
Meses antes, nas primeiras legislativas, a 25 de Abril de 1976, Sá Carneiro vira o PSD descer de 26,39% um ano antes para 24,35%, elegendo 73 deputados em vez de 81. O PS voltara a ganhar eleições e Mário Soares era nomeado como primeiro-ministro do I Governo Constitucional, a 23 de Julho, pelo Presidente da República, Ramalho Eanes.
Ao longo de quase quatro anos, Sá Carneiro insistirá na conquista do poder governativo, que obtém apenas em 2 de Dezembro de 1979 já com a Aliança Democrática. Procurará que Eanes patrocine um governo alargado e insistirá para que Soares permita que o PSD integre o Conselho de Ministros. Depois das primeiras autárquicas de 1976, chegará mesmo a propor formalmente a Convergência Democrática.
Perante a recusa de Soares, Sá Carneiro assume que a estratégia de aliança política do PSD será com o CDS e o PPM, o que tem implicações na estratégia parlamentar do partido. O PPD começa a mostrar-se difícil em negociações com o PS e sobe o tom de crítica de Sá Carneiro perante Eanes. Isto, quando um vasto sector da direcção e dos deputados era favorável à colaboração com o PS e admirava o Presidente da República.
Logo em 1977 surge um novo embate. Sá Carneiro assumira que só mediante um acordo global de governação o PSD aprovaria três leis fundamentais apresentadas pelo I Governo Constitucional do PS: a lei sobre investimento estrangeiro, a lei sobre arrendamento rural e a lei de bases da Reforma Agrária. E é perante esta última que a crise interna no PSD volta a rebentar. Sá Carneiro tenta impor a abstenção à bancada e é derrotado na direcção do partido e no grupo parlamentar. Tal como fizera quando da aprovação da Constituição, está ausente do hemiciclo no momento da votação, justificando a falta em carta dirigida a Barbosa de Melo, alegando a objecção de consciência prevista nos estatutos.
A derrota seguinte, sofre-a Sá Carneiro quando não consegue que a direcção do partido aceite que o PSD seja contra as negociações entre Soares e o FMI para a viabilização financeira do Estado português. Por outro lado, a relação com Eanes está cada vez mais extremada, sobretudo depois do discurso feito pelo Presidente a 15 de Outubro de 1977, ao abrir a sessão legislativa, que Sá Carneiro considera de conivência com a esquerda. E irrita-se cada vez mais com o pendor eanista de muitos dirigentes do partido.
Retirada táctica
Sentindo-se isolado, a 7 de Novembro, entrega o cartão de militante número um ao secretário-geral Magalhães Mota, na sede do partido, e três dias depois, num conselho nacional no Hotel Altis em Lisboa, mitigando a ruptura, aceita ficar como “presidente não em exercício”. Magalhães Mota devolve-lhe o cartão. Mas é eleita uma comissão de direcção presidida por Sousa Franco.
No V Congresso, realizado a 28 e 29 de Janeiro de 1978, no Cine Valformoso, no Porto, Sá Carneiro mantém a recusa em ser líder e abdica mesmo o seu mandato de deputado à Assembleia da República. Até porque o confronto crescera e Sousa Franco dera uma entrevista em que dividia o partido entre uma ala rural, liderada por Sá Carneiro, e uma ala urbana, mais moderada e verdadeiramente social-democrata, a sua. Sousa Franco sai do Porto como líder e Sérvulo Correia é secretário-geral.
Entre Novembro de 1977 e Junho de 1978, Sá Carneiro retira-se tacticamente da liderança do PSD, mas mantém-se nos bastidores. Em Abril de 1978, lança o livro Impasse. No dia a seguir, vai ao Vimeiro a um almoço com militantes. Ataca directamente Eanes e defende uma revisão da Constituição submetida a referendo — preparará mesmo um projecto de revisão constitucional, que publicará com o título Uma Constituição para os anos 80, em Janeiro de 1979, elaborado em conjunto com Marcelo Rebelo de Sousa, em que, aliás, se inicia a colaboração de Santana com o líder fundador, que gostara de ouvir a intervenção do jovem militante no congresso.
Perante a violência do discurso de Sá Carneiro no almoço do Vimeiro, no dia a seguir a direcção do partido demite-se. É o momento de preparar o regresso. O primeiro passo é a vitória que consegue no conselho nacional do Hotel Sheraton, a 15 e 16 de Abril. A direcção demissionária de Sousa Franco é substituída por uma comissão de gestão partidária chefiada por Menéres Pimentel e é preparado novo congresso para o início de Julho.
É perante a perspectiva do regresso de Sá Carneiro à liderança que o grupo de dirigentes e deputados que se lhe opõem — e que anteriormente integravam o grupo dos condicionais -, torna público a 3 de Junho o documento intitulado Opções Inadiáveis, assinado por 42 dos 73 deputados. No documento era reafirmada a opção social-democrata, defendido que o partido devia insistir na filiação na Internacional Socialista, criticada a liderança anterior de Sá Carneiro, rejeitada a revisão da Constituição por referendo e advogado o bom relacionamento com Eanes.
Entre os subscritores, estavam nomes da primeira linha do partido, os fundadores Sousa Franco e Magalhães Mota, mas também Figueiredo Dias, Costa Andrade, Sérvulo Correia, Rui Machete, Cunha Leal, Olívio França, António Marques Mendes, Nandim de Carvalho, Ferreira Júnior, Furtado Fernandes, Jorge Miranda, Guilherme d’Oliveira Martins, António Rebelo de Sousa, líder da JSD. Pinto Balsemão é responsável pela redacção final, mas não assina.
No VI Congresso, que decorre no Cinema Roma, em Lisboa, a 1 e 2 de Julho de 1978, Sá Carneiro garante a liderança e a maioria na direcção, até porque os inadiáveis, que eram maioritários no grupo parlamentar, só se candidataram ao Conselho Nacional. Apenas quiseram marcar posição, num conclave em que o líder fundador apresentou como trunfo o regresso de Carlos Macedo, dissidente de Aveiro, e a inscrição como militantes de Natália Correia, Dórdio Guimarães e Luís Fontoura. Procurando mostrar unidade e abertura, constituirá um governo-sombra em que integra alguns inadiáveis.
Após o congresso, cai o II Governo Constitucional do PS-CDS, Sá Carneiro pressiona Eanes para a constituição de um governo de salvação nacional em que o PSD tenha assento e que prepare eleições antecipadas, uma exigência que não deixará de fazer até 1979. Mas Eanes opta pelos governos de iniciativa presidencial. A princípio, Sá Carneiro ainda põe o PSD a votar contra a moção de rejeição do programa do Governo, apresentada pelo PCP e aprovada pelo PS, CDS e UDP, que faz cair Nobre da Costa.
O peso de Mota Pinto
Mas é como uma afronta pessoal que Sá Carneiro vê o convite feito por Eanes para liderar o IV Governo Constitucional a Mota Pinto, o ex-líder parlamentar do PSD, um dos autores do programa do partido e um dos principais responsáveis pela Cisão de Aveiro. Logo no Conselho Nacional de 9 e 10 de Setembro em Vila Real, Sá Carneiro quer que o PSD vote contra o programa do governo que tomará posse a 22 de Novembro. Mas a direcção não aceita implodir com o projecto governativo do seu antigo dirigente e fundador.
Procurando limitar a liberdade dos deputados, em Fevereiro de 1979, Sá Carneiro introduz a regra de que cabe à comissão política definir o sentido do voto da bancada. Só que esta regra não irá servir de nada no momento da ruptura entre o líder fundador e os condicionais, a propósito da aprovação do Orçamento do Estado para 1979 apresentado por Mota Pinto e debatido em Março no Parlamento. Tudo porque Sá Carneiro queria que o PSD se abstivesse, o que inviabilizaria o Orçamento. O documento será de facto chumbado com o contributo da abstenção do PSD, e Mota Pinto acabará por se demitir a 7 de Julho, na sequência das alterações à sua segunda proposta de contas do Estado introduzidas pelo Parlamento e a iminência de moções de censura.
No debate na generalidade do OE, como condição para o viabilizar, Sá Carneiro põe três condições que não são satisfeitas: fim do tecto de aumentos salariais de 18%, fim do imposto extraordinário sobre o trabalho e cumprimento da Lei de Finanças Locais. Perante a iminência da abstenção do PSD, no momento da votação só estão na sala 32 dos 73 deputados. Os inadiáveis invocam o estatuto de objecção de consciência para não votar. Quebrando a disciplina de voto, dos 32 deputados presentes, dois votaram a favor das Grandes Opções do Plano e cinco do Orçamento: Barbosa de Melo, Cacela Leitão, Ferreira Júnior, António Gonçalves e Coelho de Sousa.
Logo a seguir, no conselho nacional do Vimeiro, a 31 de Março e 1 de Abril, Sá Carneiro humilhado pelos seus deputados e de forma a prender os inadiáveis à sua orientação partidária, introduz a regra de que os deputados têm de assinar um compromisso de honra com a direcção e convida Sousa Franco a deixar o partido. A 3 de Abril, a direcção da bancada rejeita. E no dia seguinte, 37 deputados do PSD abandonam o partido e passam a independentes. O PSD fica reduzido a um grupo parlamentar de 36, que será liderado pessoalmente por Sá Carneiro.
Do PSD saem então figuras como Sousa Franco, Magalhães Mota, Cunha Leal, Sérvulo Correia, António Marques Mendes, António Rebelo de Sousa, Figueiredo Dias, Costa Andrade, Jorge Miranda, Ernâni Lopes, Guilherme d’Oliveira Martins e Rui Machete. Parte substancial dos inadiáveis — a que se juntaram dissidentes da Cisão de Aveiro, como Sá Borges — fundará, em Junho, um novo partido, a Acção Social-Democrata Independente (ASDI), liderada por Sousa Franco, que veio a candidatar-se às eleições de 1980 aliado ao PS na Frente Republicana e Socialista (FRS), que juntava então também a União de Esquerda Socialista Democrática (UEDS), por seu lado, resultante de uma cisão do PS, liderada por Fernando Lopes Cardoso.