A clear horizon – um exemplo para Portugal

A campanha que deu origem ao campus de Carcavelos – onde começaram ontem a ter aulas centenas de alunos – é o oposto de tudo isto. É uma conceção de Portugal que parece hoje rara, uma ideia que, apesar da modernidade e frescura do novo “campus”, é secular.

A Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, desde 2011 “Nova SBE” (School of Business and Economics), há muito cresceu além do antigo colégio jesuíta que ocupava desde 1988. Era, para quem conhece, algo estranho que a escola de economia e gestão que, em Portugal, é a mais atrativa para os jovens nacionais e estrangeiros, fosse, em simultâneo, aquela cuja infra-estrutura era mais antiquada, desadequada a uma universidade moderna e capaz de ocupar um lugar de pleno direito junto das melhores da Europa. Desse ponto de vista, qualquer uma das outras principais escolas apresentava, até agora, melhores condições do que a “Nova”.

Refira-se que a Nova não precisou de ter um espaço físico moderno e especialmente agradável para assumir uma posição liderante em Portugal e importante no contexto europeu. Deste modo, a Nova poderia perfeitamente ter permanecido no mesmo local, com pequenas melhorias, ou reunido fundos q.b. para investir numa remodelação de fundo ou expansão. Provavelmente, a Nova seguiria um caminho tão bem-sucedido como até aqui se, nos próximos vinte anos, se ficasse pelo Colégio de Campolide.

O “campus” de Carcavelos não era, assim, urgente ou, eventualmente, necessário. No entanto, os académicos que a constituem sentiram o impulso de ir mais longe. Em vez de se limitarem a gerir o sucesso passado, interpretaram a liderança assumida pela Nova como atribuindo-lhe a responsabilidade de ousar. Não se trata de insatisfação com o presente, mas sim da consciência desassossegada de que o futuro tem de ser melhor ainda.

Em nome desse futuro, em vez de se limitar a defender a sua posição, a Nova embarcou numa viagem não desprovida de perigos. A iniciativa de construção do Campus de Carcavelos tomou riscos muito sérios: desde logo, financeiros, mas também reputacionais. E se não for possível angariar os fundos necessários para a construção (na verdade, já está quase)? E se o novo campus não atrair os alunos que se propôs a trazer para Portugal? E se a aposta num espaço “aberto à comunidade” perturbar o funcionamento da escola? E se a exposição prometida aos patrocinadores for reduzida? E se as autoridades e as infra-estruturas não conseguirem dar resposta à deslocalização para Cascais?

Naturalmente, hoje que o campus já se impõe a quem passa na Marginal, é fácil antever-lhe um sucesso retumbante, mas no início do processo terão sido necessárias doses grandes de coragem e capacidade de lidar com o risco.

Em qualquer caso, uma coisa é certa: o próprio processo que permitiu construir o novo campus já é, em si mesmo, uma enorme conquista. A campanha de angariação de fundos para a construção da escola é um caso de sucesso único em Portugal de dinamização da sociedade civil no plano do mecenato. E nem se pode dizer que dependa de “estrangeiros”: se é certo que beneficiou de parceiros internacionais importantes, uma grande parte dos fundos foi doada por indivíduos e empresas portugueses, que quiseram envolver-se num projeto português que pode ser importante para o futuro de Portugal.

Pedro Santa-Clara, professor da Nova e líder da Fundação Alfredo de Sousa, criada para gerir a iniciativa, assumia em entrevista ao PÚBLICO, há semanas, que o bom acolhimento com que a sociedade civil e a comunidade empresarial portuguesa recebeu a iniciativa foi “paradoxalmente” ajudado pelo contexto de crise em que a ideia surgiu: num país “profundamente deprimido (...) as pessoas ansiavam por um projeto ambicioso e otimista”.

Tenho para mim que o arrojo desta iniciativa é um exemplo ainda mais relevante hoje. Vindos do décimo sétimo trimestre consecutivo de crescimento da economia portuguesa, e a cerca de um ano das próximas eleições legislativas, o momento atual é, do ponto de vista coletivo, algo marcado pela inércia e pelo conservadorismo. O horizonte de futuro termina nas pensões, progressões, reposições e outras reivindicações para o ano que vem. No que diz respeito às políticas públicas, é hoje claríssimo que o ímpeto reformista em Portugal acabou com o fim do programa da troika.

Pode até haver uma parte significativa dos portugueses que, legitimamente, não aspire necessariamente a uma economia mais forte, ou a um nível mais elevado de eficiência e fiabilidade dos serviços públicos, dando-se por contente com o atual nível de vida e respetivo crescimento. Porém, apesar de uma dinâmica interna e externa mais sustentável, e dos enormes progressos na solidez das contas públicas, persistem muitas fragilidades estruturais do nosso tecido económico, um endividamento público e privado ainda em vias de resolução e ainda um número importante de desempregados de longa duração, working poor e situações de pobreza infantil e na velhice.

Não basta, pois, gerir o “sucesso” das contas públicas e de um crescimento superior ao da década anterior (ou seja, zero). É preciso ousar fazer mais e diferente, o que é incompatível com uma certa sonolência coletiva – para a qual muito tem contribuído o imediatismo e superficialidade em que a política em Portugal está mergulhada.

A campanha que deu origem ao campus de Carcavelos – onde começaram ontem a ter aulas centenas de alunos – é o oposto de tudo isto. É uma conceção de Portugal que parece hoje rara, uma ideia que, apesar da modernidade e frescura do novo “campus”, é secular. Aproveitar o sol e o mar, não para proteger o nosso canto na praia, mas para apontar ao horizonte e interagir com o que está do lado de lá, para nos projetarmos num futuro melhor. Seguindo o mote da campanha da Nova, a clear horizon to look forward é mesmo do que estamos a precisar.

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