Taxa de cesarianas diminuía há seis anos, mas aumentou em 2017
Especialistas dizem que são vários os factores que podem explicar inversão de tendência, entre eles os efeitos do protesto dos enfermeiros obstetras no ano passado.
Depois de anos de descidas sucessivas da taxa de cesarianas nos hospitais públicos, em 2017 a tendência inverteu-se e a opção pelos partos cirúrgicos aumentou ligeiramente em Portugal. É uma subida pouco expressiva mas acontece numa altura em que existem penalizações para os hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) que ultrapassem limites previamente definidos pela tutela.
O aumento verificado no ano passado é ligeiro e, especulam os especialistas, pode ficar a dever-se a múltiplos factores. A taxa de cesarianas foi diminuindo gradualmente de ano para ano desde 2010, quando era superior a 32% nos hospitais públicos (nos privados é o dobro). Entre 2010 e 2017, a redução foi de quase de 5% nos blocos de parto do SNS, enfatiza o Ministério da Saúde, que lembra que estes são “bons resultados reconhecidos pela própria OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico]”. A excepção, porém, foi o ano passado, quando a percentagem passou para 27,66%, um acréscimo de 0,32%.
Uma das explicações para o inesperado aumento observado em 2017 pode ter a ver com o inédito protesto dos enfermeiros especialistas em saúde materna e obstétrica que, no Verão passado, se recusaram a fazer a vigilância de grávidas e partos, exigindo um suplemento salarial. O protesto decorreu entre 3 e 17 de Julho e reiniciou-se em 24 de Agosto para se prolongar até ao início de Outubro.
Neste período, segundo Bruno Reis, o enfermeiro que liderava o movimento (mais tarde transformado em associação) de enfermeiros que organizou o protesto, houve “um aumento significativo de partos instrumentais (com recurso a ventosas e fórceps) e de partos por cesariana”. São os enfermeiros que no dia-a-dia asseguram a vigilância das grávidas e, sem eles, a “medicina é mais defensiva”, justifica.
O protesto dos enfermeiros especialistas terá tido alguma influência, porque criou “bastante instabilidade nas equipas, o que potencia a decisão de avançar para cesariana”, mas a redução do número de médicos nas urgências de obstetrícia nalguns hospitais também terá pesado neste resultado, argumenta Diogo Ayres Campos, que foi presidente da Comissão Nacional para a Redução de Cesarianas que em 2013 alargou para o resto do país a experiência bem-sucedida na região Norte, três anos antes.
Há motivos para preocupação? Uma subida de 0,3% não é muito expressiva, mas “é uma inversão da tendência” e, nessa medida, “é um erro ignorar” o que aconteceu, defende o obstetra. Este não é, todavia, um problema exclusivamente português, salienta, recordando que a Organização Mundial de Saúde (OMS) constituiu mesmo uma comissão para avaliar a situação a nível internacional e a Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia também está preocupada com o aumento que se verifica em vários países.
Equipas desfalcadas
Há outros factores que justificam o aumento de cesarianas, observa João Bernardes, presidente do colégio da especialidade de ginecologia e obstetrícia da Ordem dos Médicos. Além de as equipas nos blocos de parto estarem desfalcadas, o que pode levar os profissionais “a actuarem mais cedo em vez de esperarem até à última” para avançarem para cirurgia, as mulheres têm filhos cada vez mais tarde, o que implica mais complicações, explica. “Este não é um problema a preto e branco, há áreas cinzentas”. A própria OMS, que há anos apontava para uma taxa de cesarianas da ordem dos 15%, já reviu esse valor, nota.
Faria sentido reactivar a comissão para a redução de cesarianas que concluiu o seu trabalho em 2016? Algumas das propostas feitas, “as mais importantes”, foram concretizadas, mas outras não, reflecte Diogo Ayres Campos, para quem reactivar a comissão “é uma questão política, não técnica”. Sublinhando que "a comissão só por si não resolve o problema", defende que seria importante apostar numa campanha para alertar a população para os riscos das cesarianas.
E destaca o problema da elevadíssima taxa de partos que acabam em cirurgias nos hospitais e clínicas privadas, que é superior a 60%. É preciso perceber o que está a acontecer no sector privado, corrobora João Bernardes. "Não é aceitável ter taxas superiores a 50%", sustenta Diogo Ayres Campos, para quem é necessário regular a prática também neste sector.
A nível nacional, é grande a heterogeneidade das taxas de cesarianas dos vários hospitais públicos. Jorge M. Saraiva, ex-presidente da Comissão Nacional da Saúde Materna, da Criança e do Adolescente, olhou para os dados oficiais para concluir que a percentagem aumenta 2,5% "quando o número anual de partos é inferior a 1460 e tem um acréscimo adicional de 3,6%, quando o número anual de partos é inferior a 730". No entanto, "não se ganha qualidade neste indicador quando o número anual de partos cresce acima de 2920".