Hospitais com maior percentagem de cesarianas ficam no interior Norte e Centro
Dos 37 hospitais públicos com salas de parto, 11 excederam no ano passado o limite de cesarianas a partir do qual são penalizados financeiramente.
Guarda, Bragança, Covilhã e Vila Real. Os quatro hospitais com maior percentagem de cesarianas no total de partos situam-se no interior Norte e Centro do país. No ano passado, dos 37 hospitais públicos com salas de parto, 11 excederam o limite de 29,5% ou 31,5% de cesarianas, consoante o grau de diferenciação, a partir do qual são penalizados financeiramente.
Na Unidade Local de Saúde (ULS) da Guarda, 40% dos partos foram cesarianas. Na ULS do Nordeste, em Bragança, foram 37,5%. Aqui, justifica a administração, o reduzido número de partos (cerca de 470 por ano) faz sobressair o rácio das cesarianas, um procedimento que o serviço de obstetrícia tem trabalhado para que seja uma excepção.
Logo a seguir vem o Centro Hospitalar da Cova da Beira, na Covilhã, aquele em que o peso das cesarianas no total de partos mais aumentou desde 2013 (28,6%) até 2017 (36,1%). Carlos Gomes, director clínico adjunto, explica a mudança com o aumento da complexidade dos partos – as mães estão mais velhas e houve um acréscimo de partos de gémeos, em virtude da criação, em 2010, de uma unidade de procriação medicamente assistida no hospital.
A "interioridade também tem peso" neste e nos hospitais vizinhos. O número relativamente baixo de partos por ano (nascem, em média, menos de duas crianças por dia) e a viagem de três horas e meia de ambulância para o hospital com cuidados diferenciados mais próximo, em Coimbra, fazem com que alguns médicos, “por ansiedade ou sobressalto”, antecipem o parto por cesariana para que não se corram riscos. “Quando há uma situação de dúvida e de ansiedade no médico, a nossa preocupação é que o bebe nasça bem”, explica Carlos Gomes.
A taxa de cesarianas é um indicador internacional de qualidade dos cuidados obstétricos. Nos países desenvolvidos procura-se a sua redução, uma vez que se criou na comunidade médica o consenso de que apenas deve haver interferência no parto em casos de risco real de complicações, como recomendou recentemente a Organização Mundial da Saúde. Isto porque uma cesariana implica um maior risco para a mãe e para o bebé quando comparado com um parto normal, que continua a ser considerado a forma mais segura de nascer.
Sensibilização e supervisão
João Bernardes, presidente do colégio da especialidade em ginecologia/obstetrícia da Ordem dos Médicos, reconhece que, de modo geral, há uma relação entre carência de especialistas e alta taxa de cesarianas. "Quando estamos com pouca gente, às vezes temos que aproveitar a presença de uma equipa que nos permite intervir [um anestesista, por exemplo] para evitar que surja uma emergência numa altura em que não está ninguém", explica.
Ainda que tenha a quarta taxa de cesarianas mais elevada (33,9%), o Centro Hospitalar Trás-os-Montes e Alto Douro tem-na diminuído sucessivamente nos últimos oito anos, à custa de sensibilização dos profissionais e de reuniões semanais para analisar os partos cirúrgicos realizados, explica fonte oficial. O hospital salienta que Vila Real não partilha da realidade dos grandes centros urbanos em que o grande número de cesarianas praticadas no privado “permite diluir as taxas dos hospitais públicos”. E lembra que já informou a tutela, no ano passado, da necessidade “premente” de obras no bloco de partos e aquisição de equipamentos modernos. “Não queremos que esta redução se faça nunca à custa do aumento de riscos materno-fetais”, refere fonte hospitalar.
Uma realidade diferente conhece o Hospital Beatriz Ângelo, parceria público-privada em Loures, cuja taxa de cesarianas é a mais baixa do país. Apenas em 2013 ultrapassou os 22%. Isto deve-se a um serviço jovem – apenas seis dos 24 especialistas têm mais de 50 anos – e à disponibilidade de tecnologia que permite fazer um “rigoroso controlo” dos procedimentos de aceleração artificial do parto – as induções têm que ser autorizadas pelo coordenador do serviço.
A sensibilização das equipas médicas e de enfermagem “para as vantagens do parto vaginal” e a supervisão “rigorosa” destes procedimentos fazem também parte do dia-a-dia no Centro Hospitalar Tondela-Viseu e no Tâmega e Sousa, segundo os respectivos directores de serviço. As suas maternidades têm taxas de cesarianas igualmente baixas, 21,8% e 23,8%, respectivamente.
O Centro Hospitalar do Porto foi o que mais diminuiu neste indicador em relação a 2013. Passou de quase 36,8% de cesarianas para 27,1%. Segue-se o do Médio Ave (menos 9,6 pontos percentuais), que ainda se situa acima do limite, e o do Barreiro/Montijo (8,9 pontos percentuais).