Joana Marques Vidal tem de continuar
Para quem sonha com um Portugal mais limpo e decente, Joana Marques Vidal é mesmo a pessoa certa no lugar certo.
O princípio do mandato único para procurador-geral da República tem os seus méritos: o cargo deve ser exercido com total liberdade e sem a preocupação de agradar àqueles que decidirão sobre a sua renovação. Na teoria, impecável. Só que depois existe a prática, e o que a prática nos diz é isto: desde que há democracia em Portugal, nenhum procurador-geral exerceu o seu cargo com a liberdade, a neutralidade e o sentido de Estado de Joana Marques Vidal. Outras pessoas poderão fazer o mesmo? Admito que sim. Só que até hoje não fizeram. Donde, por prudência, inteligência e sentido prático, se a lei permite a sua recondução, reconduzida ela deve ser. Se não for, António Costa, o Partido Socialista e o próprio Presidente da República devem ser seriamente responsabilizados por isso, pois a razão será uma, e apenas uma: Costa e o PS desejam, como sempre desejaram, uma personalidade mais politizada e mais manipulável a mandar no Palácio Palmela.
Ora, isto é totalmente inaceitável tendo em conta o historial recente do partido. O PS incompatibilizou-se com Souto de Moura por causa do processo Casa Pia, patrocinou o desastre Pinto Monteiro naqueles que foram os mais trágicos anos da Justiça portuguesa no pós-25 de Abril, e agora está cheio de vontade de correr com Joana Marques Vidal — como bem o demonstra as declarações da ministra da Justiça em Janeiro à TSF, que ainda esta semana voltaram a ser repetidas por Carlos César na SIC Notícias. Entretanto, já há nomes alternativos a correr nos jornais, e o facto de não haver uma decisão a mês e meio do final do mandato significa, com grande probabilidade, que há divergências nos bastidores. A posição de Marcelo não é conhecida — a não ser que consideremos Marques Mendes a sua pitonisa, e se assim for ele estará inclinado para a recondução —, mas aquilo que
o PS quer é bastante claro, e nós temos de recordar ao Partido Socialista que ele tem para com os cidadãos deste país uma dívida gigantesca na área da Justiça, que ainda não começou a pagar.
Já aqui elogiei várias vezes a postura de António Costa em relação a José Sócrates, e à forma como ele conseguiu que o partido não repetisse os erros da Casa Pia, mantendo um distanciamento exemplar em relação à Operação Marquês. Mas também já aqui sublinhei o que isso significa: o modo como Sócrates foi deixado cair pelo PS indica que António Costa sabia perfeitamente quem ele era. E se Costa sabia, como eu acredito (não me refiro à dimensão da corrupção, mas à corrupção do seu carácter), o mínimo que se lhe exige é que adopte a mesma postura de não mexer naquilo que está a funcionar.
Se Joana Marques Vidal não for reconduzida, isso não significa que a Operação Marquês vá cair por terra — há uma acusação muito sólida deduzida e não acredito que Sócrates já escape dali —, mas significa claramente que o PS se sente desconfortável sem alguma espécie de controlo sobre a investigação judicial, até porque Sócrates é apenas a ponta do icebergue. Vivemos num país com seriíssimos problemas de corrupção, que começam finalmente a ser investigados com seriedade, e os partidos do poder sentem-se muito ameaçados. Neste aspecto, o pragmatismo de António Costa, demasiado céptico sobre a natureza humana, é um perigo. Nada é mais importante para a salubridade do regime do que a escolha para a Procuradoria-Geral da República. Para quem sonha com um Portugal mais limpo e decente, Joana Marques Vidal é mesmo a pessoa certa no lugar certo.