Bagão Félix: “A reforma é um direito, não é um dever”
"Creio que os sindicatos continuam a funcionar na lógica da pura simetria aritmética no Estado: retendo mais uma pessoa no Estado, é menos uma pessoa que entra. As coisas não são assim", diz ex-ministro.
António Bagão Félix, antigo ministro das Finanças e da Segurança Social e do Trabalho, é a favor do fim da aposentação obrigatória aos 70 anos, medida que está a ser pensada pelo Governo. “Ninguém deve ser obrigado a reformar-se.”
Concorda com o fim da reforma obrigatória aos 70 anos?
Concordo. A reforma é um direito, não é um dever. Para continuar a trabalhar a partir de determinada idade, essa idade não deve ser estabelecida por lei, mas deve exigir um acordo com a parte empregadora. A reforma é um direito que as pessoas têm. Mas ninguém é obrigado a reformar-se.
[A intenção do Governo de acabar com o limite dos 70 anos na função pública] é mais uma medida de convergência entre o regime de Segurança Social e o regime de aposentação. Depois, os 70 anos foram estabelecidos há um século — e os 70 anos de hoje não são os de há 100 anos.
Todas as variáveis relacionadas com o sistema de aposentação ou de reforma estão a ser modificadas a partir da esperança média de vida, como a idade de reforma. O mais importante é a qualidade da administração do Estado: o Estado está muito descapitalizado em termos humanos, há uma rarefacção, sobretudo a nível hierárquico, de directores gerais e em actividades que exigem recursos científicos, técnicos, tais como médicos ou juízes em que a idade é um factor positivo. No fundo, [a medida] é convidar o Estado a fazer uma redistribuição de conhecimentos entre gerações e qualquer organização só beneficia disso.
Ao abrir esta porta, fecha-se outra aos precários?
A minha percepção é que a maioria das pessoas aos 70 anos quer sair. Essa questão poder-se-á colocar, mas o problema fundamental é a insuficiência ou degenerescência dos sistemas de avaliação na administração do Estado.
A meritocracia não se resolve quando toda a gente é boa. Na maioria dos casos, não se trata de tirar o lugar a ninguém, mas de haver um compromisso de redistribuição de conhecimentos e sabedorias em que todos beneficiam. É o que já temos na Segurança Social, em que há uma idade a partir da qual a pessoa tem o direito de se reformar, mas não há uma idade em que tem obrigação de se retirar: em tese, pode descontar até aos 90 anos e não é por isso que a ascensão nas carreiras é posta em causa.
Porque acha que os sindicatos estão contra a medida?
Custa-me a perceber. Creio que os sindicatos continuam a funcionar na lógica da pura simetria aritmética no Estado: retendo mais uma pessoa no Estado, é menos uma pessoa que entra. As coisas não são assim. Os sindicatos deviam aplaudir o que andam a apregoar, que é o envelhecimento activo e as situações em que isso pode beneficiar todos. Imagine um investigador que aos 70 anos tem que ir para casa: aos 72, 74 pode estar a ensinar muito a jovens aspirantes...