As histórias de quem sobreviveu à tragédia de Génova

Do condutor do camião verde que ficou a escassos metros da morte, uma das imagens icónicas da tragédia, à do homem que foi salvo de um carro suspenso a 20 metros de altura: as histórias dos sobreviventes multiplicam-se.

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LUSA/LUCA ZENNARO

Dois dias depois do colapso parcial da ponte Morandi, na cidade italiana de Génova, que fez pelo menos 39 mortos e 15 feridos, nove deles em estado grave, as operações de socorro ainda prosseguem, mas a esperança de encontrar mais sobreviventes por entre os escombros seja cada vez mais diminuta. Entretanto, vão sendo conhecidas histórias e relatos daqueles que escaparam com vida, desde as palavras do condutor do camião que ficou a escassos metros do vazio, numa das imagens-símbolo da tragédia, à do homem que foi salvo de um carro suspenso a 20 metros de altura.

São relatos de sobrevivência, alívio e gratidão, mas que levam os psicólogos ouvidos pela agência noticiosa italiana Ansa a deixar um aviso: o impacto do trauma ainda está por chegar, talvez daqui a "semanas ou meses", com crises de instabilidade emocional e ataques de pânico. “Às vezes as coisas resolvem-se sem intervenção, mas por vezes é preciso que as pessoas mostrem resiliência e a ajuda psicológica é necessária para ultrapassar o trauma”.

O camionista salvo pela chuva que parou o camião à frente do abismo

Foi a chuva intensa que se abatia sobre Génova na terça-feira que obrigou o condutor do camião verde da rede de supermercados Basko, cujo nome não foi revelado pelos meios de comunicação italianos, a reduzir a velocidade quando seguia no tabuleiro da ponte. “Um carro tinha acabado de me ultrapassar”, contou o homem de 37 anos ao Corriere  della  Sera

“Quando me ultrapassou, desacelerei um bocadinho porque era impossível manter uma distância segura de outra forma”, relata. Uns segundos depois viu “o carro da frente a desaparecer nas nuvens” e “o pilar a ruir”. “Travei imediatamente quando me encontrei frente ao vazio, meti logo a marcha atrás para escapar àquele inferno. Saí do camião e comecei a correr e disse aos outros condutores para fazerem o mesmo.”

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REUTERS/Stefano Rellandini

Afifi Idriss não consegue esquecer o que viu

Camionista origem marroquina, Afifi Idriss conduzia outro veículo pesado naquela ponte no momento do acidente. “Aconteceu à frente dos meus olhos. Não consigo apagar essa imagem, ainda a vejo”, contou ao jornal espanhol El País. “Outro condutor de um camião deixou o motor em marcha e saiu a correr. Com a chuva não se via nada, só se via gente a fugir enquanto gritava”.

Gianluca Ardini, prestes a ser pai, ficou suspenso a 20 metros do chão

“Ele diz que só se lembra dos bombeiros a dizerem-lhe para não se mexer porque estava a 20 metros do chão”, contou a namorada de Gianluca Ardini, de 29 anos, que conduzia uma viatura ligeira quando a ponte colapsou, fincado o veículo suspenso nos destroços. As imagens da operação do seu desencarceramento foram partilhadas pelos bombeiros italianos no Twitter. Nelas vêem-se vários bombeiros, suspensos por cabos, a retirar uma pessoa com vida do interior de um carro destruído. Era Gianluca, que sobreviveu apenas com uma fractura no ombro. O companheiro de viagem, Luigi Matti Altadonna, de 35 anos, que seguia ao seu lado, não sobreviveu ao desastre.

O relato foi feito por Giulia Organo, namorada de Gianluca, de quem está grávida de nove meses: “Acredito que a vontade de ver o nascimento do filho lhe deu força para resistir”, disse à agência noticiosa italiana Ansa

David Capello ouviu "um barulho enorme" e sentiu algo a puxá-lo para baixo

O antigo bombeiro de 33 anos David Capello escapou ileso a um mergulho de 40 metros. “Estava a conduzir e estava a chover muito”, lembra. “Ouvi um barulho enorme, vi carros a despistar-se e senti algo a puxar-me para baixo.”

“O meu carro caiu num pilar, sentia algo estava a agarrar-me, mas consegui sair do carro”, relata. “Foi tudo uma questão de segundos. Fui um sortudo, comparado com outros. É uma tragédia.”

Luciano estava num parque de estacionamento sob a ponte e foi projecto pelo ar

Luciano Goccia não estava no tabuleiro da ponte quando o desastre aconteceu — estava num parque de estacionamento de baixo da estrutura. “Tinha acabado de chegar”, contou à Reuters. “Abri a porta da carrinha para sair e ouvi o barulho. Quando me virei, fui projectado no ar, bati numa parede e fiquei sem ar”.

Terá sido precisamente a onda de choque, que o projectou contra uma parede, que o salvou de ser atingido pelos gigantescos destroços da ponte. 

Uma mãe e uma filha de mãos dadas à espera dos socorristas

Marina Guagliata, 58 anos, estava com a filha Camilla, de 24, num dos edifícios por baixo da ponte quando a estrutura ruiu. Ficaram as duas presas debaixo dos destroços do apartamento. “Senti que [a minha filha] estava debaixo dos destroços, mas perto de mim”, lembra Marina. “Comecei a remover as pedras que estavam em cima da cara e boca dela, e depois perdi a consciência”, diz. Acabariam por ser encontradas de mãos dadas pelas equipas de salvamento.

“Não me lembro de quase nada do momento em que tudo colapsou”, disse Marina ao Corriere dela Sera. “Só agora, dois dias depois, é que me começo a lembrar do que aconteceu”.

Marina não ficou gravemente ferida, mas filha continua internada num hospital em Génova. “Camilla está numa situação mais grave, com as ancas partidas, mas temos a certeza que vai ficar bem”, disse a mãe.

Valentina Galbusera viu "os pilares da ponte a colapsar como se fossem as torres gémeas”

A hematologista do hospital de Villa Scassi estava presa numa fila de trânsito numa das entradas da ponte quando sentiu a ponte a desmoronar: “Estava numa fila e estava a chover imenso. A determinada altura vi os pilares da ponte a colapsar como se fossem as torres gémeas. Tentei por o carro em marcha atrás e recuar 600 metros”, contou à agência Ansa.

Quando conseguiu sair do carro correu “como o Usain Bolt” até ficar em segurança. “Ter sobrevivido é um milagre".

“Quando o filho ligou para dizer olá, em vez da mãe atendeu um bombeiro”

Eugeniu Babin e Nataliya Yelina, casal de nacionalidade ucraniana e moldava, vivem em Caserta, no Sul de Itália. Viajavam para Nice, em França, quando a ponte ruiu sob a sua viatura. Ambos foram retirados dos escombros com vida, mas permanecem hospitalizados. A notícia do acidente chegou ao resto da família e aos amigos quando o filho de Nataliya, com 17 anos, tentou ligar à mãe. “Quando o filho ligou para dizer olá, em vez da mãe atendeu um bombeiro”, contou fonte próxima, ouvida pela Euronews. "Estava à procura dela nos escombros e atendeu a dizer-lhe o que tinha acontecido."

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