Na esquecida cintura industrial de Inglaterra não há arrependimentos sobre o “Brexit”
Desiludidos com os políticos e o país, estes habitantes de uma antiga cidade mineira não mudaram de ideias sobre a permanência na UE. “Devíamos sair: votámos para sair, é uma democracia. Quanto mais depressa sairmos, melhor”, diz John Corfield.
Para Paul Green, que gere uma associação na cintura industrial (“rust belt”) de Inglaterra, o Reino Unido está tão perdido que voltaria a votar “Brexit” se tivesse outra oportunidade.
“É desesperante – sinto que Knottingley é uma comunidade esquecida, todas as comunidades à nossa volta são esquecidas, falta investimento e sobra burocracia”, diz Green num ginásio de boxe para jovens, parte da associação para a protecção social de mineiros que gere numa zona onde já não há mineiros, no Yorkshire, no Norte de Inglaterra.
Há muito tempo que os dois principais partidos britânicos, o Conservador e o Trabalhista, não mostram interesse por Knottingley, acusa Green – e o antigo trabalhador ferroviário de 55 anos não é o único a pensar assim por aqui. Foi esta revolta que fez com que muitos britânicos votassem para abandonar a União Europeia no referendo de 2016.
O prazo para o Reino Unido abandonar a UE é 29 de Março de 2019, mas o país, os seus políticos e os seus líderes empresariais continuam profundamente divididos. Sondagens recentes indicam que os eleitores pensam que a primeira-ministra, Theresa May,está a gerir mal o processo e o apoio à permanência britânica na UE pode ter crescido ligeiramente.
May quer chegar a um acordo de divórcio que satisfaça ambos os lados do seu profundamente dividido Partido Conservador mais o DUP, unionistas da Irlanda do Norte, que apoiam o seu Governo minoritário no Parlamento.
Os habitantes de Knottingley queixam-se da falta de empregos. Como muitas outras zonas do Norte, a cidade foi deixada para trás pela economia global que trouxe importações baratas de carvão de países como a Colômbia e a Rússia e estímulos para que se produza energia a partir de gás natural e turbinas eólicas.
A taxa de desemprego em Knottingley e em Humberside, logo ao lado, é de 4,5%, ligeiramente acima da média nacional. Mas enquanto a região inclui a vibrante cidade de Leeds e a próspera cidade termal de Harrogate, a vida é mais difícil nas antigas zonas mineiras.
A associação de Green originalmente protegia os trabalhadores da mina de carvão à saída da cidade. Kellingley foi a última mina de carvão subterrânea do Reino Unido, encerrando em 2015. Os trabalhos em mina de céu aberto são o único resquício da outrora dominante indústria do carvão.
Uma boa anedota
Kellingley permanece fechada por trás de vedações ferrugentas. Vêem-se grandes aterros de entulho e chaminés, com cartazes que proclamam iniciativas de recuperação. Green diz que o Reino Unido se está a desfazer: uma comunicação social que apenas se centra em Londres, burocratas que ignoram a vontade das pessoas, forças policiais e serviços de saúde a atingir pontos de ruptura.
Os políticos vivem numa bolha, denuncia. “Nós estamos verdadeiramente desiludidos e eles não querem ouvir.”
Em 2016, votou “Brexit” porque queria que o dinheiro pago à Europa fosse investido na sua comunidade; agora está desiludido com o caos nos partidos e a negociação de May. “Não passa tudo de uma boa anedota – cada vez que ligamos a televisão só se vêem discussões internas,” diz. “Ainda assim, votava para sair outra vez.”
O que diria Green a May sobre o “Brexit”? “Que avance de uma vez. Somos uma nação de lutadores – não vamos abaixo. Vamos em frente, saímos e recuperamos algum investimento para este país.”
Arrependimento?
O porto de Goole, a 30 Km para Leste, já exportou carvão. Agora importa tijolos, óleo vegetal e madeira da Europa e de outras zonas. Porém, a Siemens planeia construir uma fábrica de comboios ali mesmo, disponibilizando-se a investir até até 200 milhões de libras (223 milhões de euros) e a empregar até 700 trabalhadores. O grupo alemão de engenharia é apenas uma das empresas que têm avisado para os perigos de sair da UE sem um acordo com Bruxelas.
Outros dizem que o “Brexit” pode prejudicar comunidades como Knottingley ou Goole muito mais do que Londres ou Leeds, que votaram para permanecer na UE.
“Se sairmos sem acordo, as pessoas que menos têm vão ser as mais prejudicadas,” defendeu John Major, antigo primeiro-ministro, dos Tories, que não excluiu a hipótese de outro referendo.
Qual é a diferença?
Existem pesquisas governamentais por publicar que demonstram que o Nordeste – outra região afectada pelo fecho das minas – poderá perder 16% do seu PIB (produto interno bruto) se o Reino Unido sair da UE sem acordo, um cenário de pesadelo.
Existem poucos sinais de arrependimento do “Brexit” em Goole.
Num pequeno inquérito informal, entre 35 eleitores 11 disseram à Reuters que não tinham opinião sobre o “Brexit”, 15 queriam que acontecesse o mais rápido possível, cinco afirmaram que votaram para permanecer e quatro ponderariam ficar na União, alterando seu voto, se houvesse outro referendo.
“Devíamos sair: votámos para sair, é uma democracia. Quanto mais depressa sairmos, melhor”, disse John Corfield, de 63 anos, que serviu no regimento de pára-quedistas do Exército britânico. “Eu não mudei de ideias. Nem pensar.”
Questionado se temia que a economia do Norte fosse fortemente prejudicada pelo “Brexit”, responde: “Nós somos afectados de qualquer forma. Qual é a diferença?”.
Reuters
Tradução de Ana Silva