Um gesto e um tabu – vender Warhols para comprar arte feminina e negra

A decisão de preencher lacunas de preconceito na colecção do Baltimore Museum of Art foi bem recebida - mas alienar obras, independentemente da finalidade, é uma prática polémica nos museus.

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O mural Bank Job (1979), de Robert Rauschenberg BMA

No fim do mês, o Baltimore Museum of Art (BMA) vai anunciar as suas novas aquisições. Seria uma notícia de pouco alcance mundial não fora o caso de as verbas que vai utilizar para fazer novas compras serem provenientes da alienação e venda em leilão de várias obras de Andy Warhol, Robert Rauschenberg ou Franz Kline com a finalidade de passar a ter na colecção mais obras de artistas negros e mulheres.

A decisão do director do museu, o escocês Christopher Bedford, tornou-se notícia desde Maio numa altura em que as estatísticas sobre a sub-representação de mulheres e negros na cultura ocidental e em particular nas artes há muito ganhava lastro nos média. Trocar Warhols pela diversidade é uma ideia forte. E arriscada. Mas a possibilidade de enfrentar críticas pela invulgar prática da alienação de obras por parte de um museu foi superada com distinção pelo BMA, que parece sair vitorioso do processo. Tanto mais porque se salvaguardou nos detalhes da história.

A venda de sete obras – dois Warhol (exemplares das séries Oxidation Painting e Hearts), um mural de Robert Rauschenberg (Bank Job, 1979) e trabalhos de Franz Kline, Kenneth Noland e Jules Olitski - “quase não terá impacto na nossa forma de relatar a história da arte”, garantia há dias Bedford ao diário espanhol El País. No fundo e na prática, o museu não ficará sem Warhols. Todos os artistas cujas obras foram vendidas continuam representados na colecção da instituição com outras peças e só de Andy Warhol o BMA tem outras 94 obras no seu acervo. Já o número de mulheres ou negros na sua colecção é manifestamente insuficiente para contar a história da arte do século XX e XXI, considera o museu.

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Hearts Andy Warhol

“Não acho razoável nem adequado que um museu como o BMA fale para uma cidade que é 64% negra a não ser que reflicta os seus habitantes”, dizia ao ArtNet em Maio, quando da primeira venda em leilão da maior parte das obras (o mural e Hearts serão formalmente vendidos por estes dias numa venda privada). “Penso que nós, como museus, não representámos de forma adequada a história da arte em consequência de preconceito consciente e inconsciente. Agora é nossa função voltar atrás e começar a olhar para estes artistas, que cumprem critérios de excelência mas que foram proscritos normalmente por questões de raça ou género”, completava à rádio pública americana NPR.

Nesse mês de Maio e no mesmo leilão em que BMA foi à praça recolher fundos para comprar obras mais diversas e que podem remontar até à década de 1940, uma peça de Kerry James Marshall se tornou a obra de um artista negro vivo mais valiosa de sempre. No museu, quer-se agora “corrigir ou rescrever o cânone artístico do pós-guerra”, diz Christopher Bedford ao El País.

O objectivo da venda é angariar cerca de 10 milhões de euros (o orçamento anual de aquisições do BMA é de 411 mil euros) para comprar então obras de artistas mulheres e negros – já na lista das novas aquisições estão, segundo o El País, peças de Wangechi Mutu, Isaac Julien, Njideka Akunyili Crosby, Lynette Yiadom-Boakye e Amy Sherald.  

Mas se a reacção generalizada foi de gáudio pelo “gesto” do BMA, ele também tocou, como assinalavam o Guardian ou o El País ao abordar o tema, “um tabu” no meio museológico – a alienação e venda de obras. “Os museus são a proposta do sempre – é por isso que os artistas querem lá estar. A minha perspectiva é de que não podemos apagar a nossa história mas temos de continuar a reflectir a sociedade e usar os museus como um óptimo motor para repensar essa história”, criticava no Guardian Caroline Douglas, da Contemporary Art Society que financia aquisições de arte pública no Reino Unido. No passado, iniciativas do género, mas motivadas por questões financeiras ou de falência de grandes e pequenos museus foram criticadas pela sua comunidade ou pelos especialistas. Neste caso, e apesar desse contrato informal estabelecido também com o público e com a sua expectativa de encontrar no museu da sua cidade certas obras, o plano do BMA foi avalizado pela American Alliance of Museums e pela Association of Art Museum Directors.

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Oxidation Painting Andy Warhol

As obras agora vendidas são peças pouco mostradas, consideradas redundantes, nas palavras da NPR, e no caso do mural de Rauschenberg, por exemplo, demasiado grande para o museu conseguir mostrá-lo regularmente, como detalha o El País. “Não estamos a dizer, de forma alguma, que esses homens brancos que dominam as colecções dos museus são uma parte ilegítima da história. Fazem, absolutamente, parte da história”, disse Christopher Bedford. Preencher lacunas é o objectivo do museu, cujo Verão é feito de exposições dedicadas a artistas que não são homens brancos e que contam histórias de outras Américas, ou por outros olhos. 

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