O psicodrama do PSD e o regresso de Jardim
Para aumentar a confusão no PSD aí está de volta Alberto João Jardim, em versão fantasmagórica, avulsa ou multiplicada por quatro ou cinco…
Segundo algumas reportagens dos jornais são “três ou quatro” Albertos Joões, segundo outras são “quatro ou cinco”. Mas mais um ou menos um, a declaração de Rui Rio no Chão da Lagoa – a festa anual do PSD-Madeira, realizada no passado fim-de-semana – não deixa de ser sintomática. Para celebrar o regresso do antigo líder madeirense às festividades partidárias, o actual líder nacional do partido imaginou, sonhador, “o que seria Portugal” se o destino o tivesse bafejado com a sorte de ter um Alberto João Jardim multiplicado por outros tantos. Não bastou que Jardim tivesse governado a Madeira durante 37 anos – mais um do que aqueles em que Salazar governou Portugal – com o desbragamento autoritário, a irresponsabilidade financeira e a febre do betão que são conhecidos. Aparentemente, teria sido fantástico ver o modelo jardinista reproduzido à escala do país para vivermos num mundo ideal.
Dir-se-á: é demagógico atribuir a Rio a responsabilidade política por esta declaração de circunstância, feita durante uma celebração festiva. Mas que ele a fez fez, mostrando a extrema ligeireza com que o PSD – e não só – continua a encarar a herança do jardinismo. Além disso, essa declaração coincide com o alastrar da crise de liderança de Rio, designadamente os propósitos anunciados por Santana Lopes de formar um novo partido e por Pedro Duarte de se candidatar à chefia do PSD antes mesmo das legislativas (antecipando-se a Montenegro e outros que tais, numa espécie de reprodução do enxame de candidaturas à presidência do Sporting).
A Madeira tem sido, ao longo do tempo, uma espécie de projecção anedótica e folclórica do eterno psicodrama do PSD – como se o desejo da longevidade de um líder forte e até em versão múltipla pudesse substituir a crise de identidade em que o partido tem vivido desde sempre, dividido entre um ideal mítico da social-democracia imaginada por Sá Carneiro e a realidade inconfessável de um populismo de que Jardim é, precisamente, a encarnação consumada.
Ora, uma das críticas que Pedro Duarte faz a Rio, na sua entrevista de ontem ao Expresso, incide sobre o seu desejo de ver um Alberto João multiplicado para bem do país. Duarte refere o “trabalho notável que os actuais dirigentes do PSD e do Governo da Madeira” estão a fazer “em circunstâncias difíceis, porque estão condicionados por dívidas enormes que herdaram do passado” (ou seja, de Jardim). Só que Jardim regressou ao Chão da Lagoa, depois de um período de candeias às avessas com o seu sucessor, Miguel Albuquerque, precisamente porque o PSD-Madeira tem atravessado também uma profunda crise de liderança, com a família regional desavinda, e perante a ameaça de uma alternativa de governo encabeçada pelo PS. Foi isso, aliás, que levou Albuquerque a inclinar-se perante Jardim, o “grande líder” madeirense do partido, a quem saudou “pelo seu espírito jovem, pela sua garra, pela sua determinação”. Nada que encaixe, portanto, na narrativa do putativo candidato à sucessão de Rio.
As rivalidades internas e o risco (cíclico, aliás) de fragmentação do PSD preocupam naturalmente o presidente Marcelo, atendendo à necessidade de poder contar, para o que der e vier, com uma oposição consistente e alternativa ao actual Governo. Mas os próximos tempos não prometem ser nada fáceis seja para quem for, com a actual crise europeia e mundial a condicionar drasticamente as expectativas nacionais. Não basta proclamar – como o fazem Pedro Duarte e Santana Lopes – que é necessária uma nova estratégia face à navegação à vista de Costa e às convergências de Rio com o actual primeiro-ministro. De resto, para aumentar a confusão aí está de volta Alberto João Jardim, em versão fantasmagórica, avulsa ou multiplicada por quatro ou cinco…