Interior: o coro dos defuntos
A política pública tem como missão o bem-estar coletivo e não apenas o conforto de alguns.
O extinto Movimento pelo Interior apresentou um documento que integra um conjunto de medidas estruturais concretas, e que algumas figuras da elite portuguesa, incluindo políticos, têm vindo a contestar na comunicação social. Trata-se de uma reação esperada, pois são medidas que envolvem a realocação de recursos e vão muito além da narrativa de que “é preciso desenvolver o interior”, facto em que todos estão de acordo.
Recorrendo a conceitos como “economias de escala”, “economias de aglomeração”, “custos de transação” e inexistência de “falhas de mercado”, alguma da retórica pretende esconder uma realidade clara que está à vista de todos: 70% da população reside numa faixa costeira de 50 km e 45% concentra-se nas duas áreas metropolitanas. Nas últimas cinco décadas a tendência registada é simplesmente assustadora! No litoral o aumento de população foi de 52%, enquanto no “interior” diminuiu 37%.
Num exercício de benchmarking com países que apresentam níveis de crescimento e desenvolvimento económico elevado, não se encontra paralelismo com a situação vivida em Portugal. Sobre esta matéria, veja-se o caso da Irlanda, país que pôs em prática uma estratégia nacional de desenvolvimento regional até 2040, visando um crescimento mais equilibrado das suas principais regiões. Nesta estratégia, a educação, o ensino superior e a ciência são fatores vitais na sustentação do crescimento económico e na construção de comunidades mais fortes, promovendo-se, deste modo, um desenvolvimento sustentável.
Numa altura em que se apela aos fundos estruturais, e com as necessárias adaptações, não deveria também Portugal adotar uma estratégia de longo prazo, bem articulada com medidas de curto prazo, capazes de promoverem um país regionalmente mais equitativo, em coerência com o reclamado a nível europeu?
Basta olhar para o que sucedeu no caso do ensino superior. O governo reduziu 5% nas vagas de acesso das instituições das áreas metropolitanas e, de imediato, se levantou o habitual “coro dos defuntos”. Diversas vozes contestaram a medida, olhando apenas para o local e descurando o país como um todo.
Entre os argumentos, esquece-se que 54% dos estudantes do ensino superior se concentra nas áreas metropolitanas, situação sem paralelo em qualquer dos outros países europeus. Não se refere, igualmente, que no concurso nacional de acesso dos últimos anos as vagas aumentaram 31% nas áreas metropolitanas e que, nas restantes, reduziram 9%. Este crescimento terá sido suportado com recursos públicos e terá, muito provavelmente, provocado um excesso de capacidade nestas instituições de ensino superior.
Por outro lado, nos argumentos apresentados, não se considera a vantagem competitiva que, face à sua atrativa localização geográfica, as instituições das áreas metropolitanas acabam por ter, pois podem compensar a redução de estudantes de 1.º ciclo por estudantes de pós-graduação, ou aumentar o número de estudantes internacionais.
A serem válidos os fundamentos apresentados pelas elites de “tiques centralistas”, poder-se-ia extrapolar que toda a investigação e que todas as instituições do ensino superior poderiam estar concentradas nas grandes metrópoles da União Europeia. Obviamente, este seria um absurdo socialmente inaceitável, e, por isso, de todo rejeitável.
Portugal deve ver-se como parte integrante do espaço europeu, como um país equitativo, onde a política pública tem como missão a provisão de bens públicos e o bem-estar coletivo e não apenas o conforto de alguns. A estratégia passa por incentivar as universidades do “arco do interior”, envolvendo-as na organização de um programa estruturado de desenvolvimento e de inovação com impacto potencial em áreas científicas estratégicas. Caso contrário, estará em causa a coesão do país e, certamente, um futuro mais competitivo e sustentável.
Somente um comportamento pró-ativo e responsável de todos vai impedir que isso aconteça. Estando-se no campo das decisões políticas, em termos de desenvolvimento regional importa passar da narrativa política às medidas e ações concretas, assumindo o tema do “interior” como um desígnio nacional.
Trata-se de uma questão de regime e de sociedade, transversal a todos os partidos políticos, que urge uma resposta. Quando se perspetiva um novo ciclo eleitoral, europeu e nacional, é fundamental incluir este tema na agenda política.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico