Governo viu "indícios sérios" de "mão criminosa" nos incêndios
Fogos que devastaram Mati, na Grécia, destruíram também a casa e o arquivo pessoal do aclamado realizador grego Theo Angelopoulos.
Depois de o ministro da defesa da Grécia ter culpado a construção ilegal pela rápida propagação dos fogos que mataram mais de 80 pessoas esta semana, outro membro do Governo de Atenas anunciou nesta quinta-feira que existem "indícios sérios" de actos criminosos nos incêndios que ocorreram na zona de Mati, a 30 quilómetros de Atenas. O ministro da Ordem Pública da Grécia, Nikos Toskas, afirmou que a análise das imagens de satélite e as investigações no terreno sugerem que as chamas começaram na segunda-feira em diversos locais e num curto espaço de tempo, provavelmente devido a actos criminosos.
"Existem sérios indícios de mão criminosa, mas as investigações ainda estão a decorrer", disse Nikos Toskas em conferência de imprensa, acrescentando que foi encontrado um objecto suspeito em Mati, zona mais afectada e onde se registaram a maioria das 82 mortes até agora confirmadas.
O ministro salientou que os ventos fortes que se fizeram sentir provocaram uma "situação extraordinária", levando a que as chamas se propagassem de uma forma rápida em pouco tempo.
Além dos 82 mortos, há quase duas centenas de feridos, dos quais 70 continuam hospitalizados, alguns em estado crítico. As autoridades continuam a fazer buscas em terra e também no mar, à procura de vítimas. Centenas de pessoas desta localidade costeira fugiram para o mar e para as praias próximas, tentando escapar às chamas. Mais de 700 pessoas foram salvas ali.
Fogo destruiu arquivo do cineasta Theo Angelopoulos
A casa e o arquivo pessoal do realizador grego Theo Angelopoulos, Leão de Ouro do Festival de Veneza, em 1980, foram destruídos pelos incêndios, classificados os mais graves da última década.
Phoebe Angelopoulos, viúva do cineasta que morreu em 2012, disse nesta quinta-feira a órgãos locais de comunicação social que, entre os documentos destruídos, estão os livros do realizador, muitos deles com dedicatórias de autores contemporâneos, toda a correspondência e os materiais de pesquisa dos filmes, como A Eternidade e Um Dia, Alexandre, o Grande e O Passo Suspenso da Cegonha.
Angelopoulos foi o cineasta grego mais premiado a nível internacional, tendo sido galardoado com a Palma de Ouro do Festival de Cannes, pelo filme A Eternidade e Um Dia (1998), e com o Leão de Ouro do Festival de Veneza, com Alexandre, o Grande (1980).
Nascido em Atenas, a 27 de Abril de 1935, deu corpo, nos anos de 60 e 70, ao Novo Cinema Grego, que enfrentou modelos da ditadura. Partiu no final dos anos 50 para Paris, onde estudou literatura na Sorbonne e cinema no Instituto dos Altos Estudos Cinematográficos. Regressado à Grécia, em 1964, foi crítico de cinema no diário Mudança Democrática, de 1964 até à imposição da ditadura militar, em 1967.
Dirigiu uma curta-metragem em 1968 (A Emissão), e a primeira longa-metragem em 1970, A Reconstrução, drama a preto e branco inspirado no assassinato de um casal. Com esta obra, Angelopoulos conquistou os prémios do festival de Salónica e o reconhecimento da crítica do festival de Berlim, em 1971.
Seguiram-se Dias de 1936 (1972), A Viagem dos Comediantes (1975) e Os Caçadores (1977), uma trilogia dedicada à história moderna da Grécia, desde a véspera de imposição da ditadura fascista de Metaxas, em 1936, até à queda da chamada ditadura dos coronéis, em 1974.
A trilogia "colocou Angelopoulos entre os pioneiros de um cinema atento à memória de um povo e aos acontecimentos da História", escreveu a Cinemateca Portuguesa, em 2012, quando dedicou uma retrospectiva ao realizador.
Estes três filmes foram premiados nos festivais de Berlim e de Cannes (prémio da crítica) e pelo instituto britânico de cinema, firmando o nome do realizador a nível internacional.
Angelopoulos dirigiu ainda mais uma dezena de filmes, como o documentário Atenas, Regresso à Acrópole (1983), Viagem a Citera (1984), O apicultor (1986), Paisagem na Neblina (1988), O Passo Suspenso da Cegonha (1991), O Olhar de Ulisses e Lumière e Companhia (1995), A Eternidade e Um Dia (1998). A Poeira do Tempo (2008) foi a sua derradeira longa-metragem.
Theo Angelopulos morreu a 24 de Janeiro de 2012, aos 76 anos, na sequência de um atropelamento, nos arredores da capital grega, quando procurava cenários para um novo filme, Outro Mar. Na altura, a comunidade internacional destacou o trabalho do realizador, a abordagem dos problemas sociais, realçando o ponto de vista estético e experimental da obra na história do cinema.