O ano em que os filmes de escola ganharam no Curtas (e em que Fernando Pessoa salvou Portugal)

Dois filmes de escola, Onde o Verão Vai e Amor, Avenidas Novas, são os vencedores nacionais do festival de Vila de Conde, num ano que também premiou a estreia na realização de Ana Moreira.

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“Primeiro estranha-se, depois entranha-se” - foi este o slogan que Fernando Pessoa terá inventado para o senhor patrão Moitinho de Almeida para introduzir em Portugal a Coca-Cola; só que na versão do cidadão do mundo Eugène Green a Coca chama-se Louca, beberagem que o poeta acha infecta, ao que o senhor patrão responde: “o gosto cultural forma-se”.

O que é que isto tem a ver com o palmarés do Curtas Vila do Conde 2018? Vai-se a ver tem tudo, porque Como Fernando Pessoa Salvou Portugal, delicioso “mini-filme” de 27 minutos que nos reconciliou com o cinema de Green após um longo hiato, fez na tarde deste domingo o encerramento oficial do Curtas (antes de seguir para Locarno, onde estará numa das secções paralelas). E o realizador americano (radicado em França mas apaixonado por Portugal) é um gosto adquirido que divide opiniões, à imagem do cinema de produção nacional que continua a dar tanto que dizer e que falar, e que é, sejamos sinceros, aquilo em que todos pensamos quando pensamos no Curtas.

É, por isso, sintomático que, num ano em que foram os filmes portugueses de escola a criar sensação nos festivais internacionais de classe A, sejam exactamente esses mesmos filmes de escola a levarem para casa os prémios mais importantes do Curtas. Onde o Verão Vai, de David Pinheiro Vicente, polaroid ingénua e lânguida de um Verão adolescente que esteve na competição oficial de Berlim, foi o melhor filme da competição portuguesa para o júri oficial, formado pela programadora Aurélie Chesné, pelo crítico Laurence Boyce e pelo realizador Nadav Lapid; Amor, Avenidas Novas, romance musical free-form de Duarte Coimbra que estreou na Semana da Crítica de Cannes, foi o melhor título da competição de escola Take One! (júri separado formado pela jornalista Isabel Ruiz Lara, pelo programador Calman Borel e pelo crítico Carlos Natálio).

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Onde o Verão Vai, de David Pinheiro Vicente

Não sendo um filme de escola, é uma primeira obra, Aquaparque, a honrosa mas frágil estreia atrás da câmara da actriz Ana Moreira, a levar para casa o prémio de melhor realização no concurso português e a nomeação do Curtas para os Prémios Europeus de Cinema.

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Aquaparque, de Ana Moreira

E uma outra produção nacional insinuou-se ainda no palmarés internacional: o episódio chaplinesco-onírico rodado em Moçambique de Madness, de João Viana, foi o melhor documentário, a par da coruja beata de Raymonde ou l’évasion verticale de Sarah van den Boom (melhor animação) e do olhar perverso de Laura Moss à volta da execução do assassino em série Ted Bundy em Fry Day (melhor ficção). O melhor filme a concurso, todas as categorias confundidas, foi para o júri oficial La Chute, uma animação barroca sobre a “queda” do mundo numa espécie de paraíso infernal, dirigida por Boris Labbé.

Já os prémios do público foram para duas outras animações, género que esteve em força este ano no programa do Curtas. Repetindo o que já acontecera com Amélia e Duarte há três anos, a dupla formada por Alice Eça Guimarães e Mónica Santos ganhou o prémio da competição nacional com o seu film noir em stop-motion Entre Sombras; na competição internacional, foi a dupla belga formada por Emma de Swaef e Marc James Roels a premiada, com o seu mini-épico sobre o colonialismo Ce magnifique gâteau!.

Enquanto isso, Fernando Pessoa salvava Portugal perante a câmara de Eugène Green sob os traços do actor Carloto Cotta. Uma boa maneira de “fechar o círculo” do Curtas 2018 – ou não tivesse Cotta também feito as honras de abertura ao encarnar o ronaldíssimo Diamantino na longa-metragem de Gabriel Abrantes e Daniel Schmidt.

Palmarés

Grande Prémio – La Chute de Boris Labbé (França)

Competição Internacional

Melhor Animação – Raymonde ou l’évasion verticale de Sarah van den Boom (França)

Melhor Documentário – Madness de João Viana (Portugal)

Melhor Ficção – Fry Day de Laura Moss (EUA )

Prémio do Público – Ce magnifique gâteau! de Emma de Sweaf e Marc James Roels ()

Competição Nacional

Melhor Filme – Onde o Verão Vai (Episódios da juventude) de David Pinheiro Vicente

Melhor Realizador – Ana Moreira por Aquaparque

Prémio do Público – Entre Sombras de Alice Eça Guimarães e Mónica Santos

Competição Take One!

Melhor Filme - Amor, Avenidas Novas de Duarte Coimbra

Melhor Realizador – Ana Luísa Oliveira e André Puertas por A Ver o Mar

Competição Take One! Europeu

Their Voices de Eri Mizutani (Polónia)

Competição Experimental

Another Movie de Morgan Fisher (EUA)

Nomeação Curtas aos Prémios Europeus de Cinema

Aquaparque de Ana Moreira (Portugal)

Competição de Videos Musicais

Back to Nature, Nightmares on Wax, real. João Pombeiro

Prémio Curtinhas

O Rato da Floresta de Jeroen Jaspaert (Reino Unido)

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