Nas pradarias do estuário do Sado não vivem só golfinhos
Um passeio no Sado para ver os golfinhos marca o início do programa de divulgação científica da Ciência Viva no Verão em Rede. O programa vai contar com mais de 800 iniciativas de norte a sul para levar a ciência à população pelas mãos de quem a vive todos os dias.
A bordo do Maravilha do Sado, a bióloga Sílvia Tavares está rodeada de crianças, enquanto explica e mostra algumas das espécies que se podem encontrar a apenas alguns metros abaixo do casco do barco. “Aqui temos duas estrelas-do-mar diferentes, mas ambas vivem na pradaria. Se pudéssemos levantar o mar e espreitar lá para baixo, bem no fundo existem umas relvas e é por causa delas que o mar aqui é tão rico — por exemplo, o choco vai pôr os ovos lá. Algumas destas plantas depois vão ter à beira-mar e aos areais, já as devem ter visto e confundido com algas.”
Salvador Esteves, de nove anos, arrisca-se a adivinhar a espécie que está agora nas mãos de Sílvia Tavares. Até agora acertou em todas. Casca do ovo da raia, cavalo-marinho macho porque “carrega os bebés”, lagostim-da-pedra, mas este último parece demorar mais a adivinhar. “É uma anémona, claro”, tenta Salvador Esteves. Na verdade, é um ouriço-do-mar que ainda conserva os espinhos, mas que em breve deverão desaparecer.
A rota que se está prestes a iniciar a bordo do Maravilha do Sado, uma embarcação requalificada pela Câmara Municipal de Setúbal para servir de equipamento educativo, marca a abertura do Ciência Viva no Verão em Rede, o programa de divulgação que vai contar com mais de 800 iniciativas ligadas à ciência por todo o país.
A directora da agência Ciência Viva, Rosalia Vargas, destaca que o programa que já conta com 22 anos de terreno e que este ano navega sobre o mote “rio e água” não é só para grupos escolares. “É para famílias, é para grupos de amigos, é para toda a gente que se queira juntar aos astrónomos, biólogos, investigadores e especialistas de todas as áreas que vão fazer parte das acções. Basta aparecer.”
Este ano, a abertura do programa foi em busca na manhã de quarta-feira dos golfinhos do Sado e em parceria com a Ocean Alive, uma organização de educação marinha que actua no estuário e cujo foco passa pela preservação das pradarias da região.
Raquel Gaspar, bióloga e coordenadora da Ocean Alive, acredita que a maior parte da população não sabe o que são pradarias marinhas e um dos objectivos da ONG é “educar para preservar”. “As pradarias são como um berço de muitas espécies de peixes e de plantas. São os sítios onde os chocos põem os seus ovos, onde os peixes que servem de alimento aos golfinhos crescem e onde os pescadores locais vão buscar a maior parte do seu sustento”, explica Raquel Gaspar.
A missão da Ocean Alive é transformar comportamentos para a protecção do oceano, mas não o fazem sozinhos. Para tal, aliaram-se à comunidade que todos os dias trabalha junto das pradarias: as pescadoras e mariscadoras. “[O projecto Guardiãs do Mar: Salvar o Ambiente, Preservar Empregos] nasceu do amor que estas mulheres têm pelo mar, para proteger o oceano, a economia e sobrevivência das pescadoras e alia o nosso conhecimento científico ao conhecimento tradicional delas”, diz Raquel Gaspar.
Sandra Lázaro é uma das guardiãs do Sado. A trabalhar na pesca desde os sete anos — já lá vão quase 40 — abraçou o projecto da Ocean Alive e é agora guia marinha. “Acompanho as escolas nestes passeios para fazer divulgação do estuário, da sua preservação e dos perigos de alguns agentes nocivos para as espécies que lá vivem.”
Além do seu trabalho como guia marinha, Sandra Lázaro continua a ser pescadora e a trabalhar em part-time noutro espaço. No meio disto tudo, ainda arranja tempo para ensinar à neta Íris Santos de seis anos, que até já tem um barco em seu nome, a arte da pesca. “Ando sempre de fato de treino e sapatilhas para conseguir correr de um lado para o outro”, confessa a guia marinha.
Do grupo das guardiãs do mar também faz parte Cidália Nunes, que trabalha como agente de sensibilização junto de pescadores e mariscadores para os alertar para o problema do plástico, e para perceber quais os pontos problemáticos e que soluções podem ser aplicadas no estuário.
A bordo do Maravilha do Sado, Manuel Heitor, ministro da Ciência, destaca o papel que a Ocean Alive tem tido na divulgação científica da região e afirma que é cada vez mais importante “educar os jovens para as potencialidades da ciência, o que permite uma maior especialização dos investigadores e a participação activa de um leque variado de profissionais, empresas, autarquias e escolas”.
Ainda no barco, mesmo à frente à praia da Figueirinha, o grupo espera pelo ponto alto da viagem, o grupo de golfinhos que habitam estas águas. Enquanto os roazes do Sado não aparecem, Sílvia Tavares, bióloga da Ocean Alive, vai explicando ao grupo de crianças que a ouve atentamente que “cada golfinho come cerca de 15 quilos de comida por dia. Eles são 30, por isso são necessários 450 quilos de peixes, polvos, chocos e caranguejos para comerem diariamente ou vão viver para outro local que os consiga sustentar”.
Os reis da festa acabam por não aparecer. É possível que estejam junto de um qualquer barco de turistas que navega aquelas águas, mas Sílvia Tavares afirma com certeza que “eles voltam quando tiverem fome”.
Aqueles que não tiveram a oportunidade de ver os roazes do Sado em acção podem fazer visitas à “maternidade de ostras e amêijoas”, à Estação Experimental de Moluscicultura de Tavira, observar e desenhar espécies na margem do rio Ave ou fazer um passeio nocturno na ria Formosa.
Estas e outras actividades do programa Ciência Viva no Verão em Rede de 2018 decorrem entre 15 de Julho e 15 de Setembro de norte a sul do país, incluindo a ilha da Madeira. Todas são de entrada livre e podem ser consultadas no site da agência Ciência Viva que procura levar a ciência à rua. E aos rios. Texto editado por Teresa Firmino