Rapazes resgatados recordam dias na gruta: “Tinha medo de levar um raspanete”
As crianças que ficaram presas duas semanas numa gruta inundada multiplicaram sorrisos e agradecimentos na sua primeira aparição ao público, poucas horas depois de terem tido alta esta quarta-feira.
Foi com alegria que os 12 adolescentes pertencentes a uma equipa de futebol (e o seu treinador de 25 anos), resgatados de uma gruta inundada na Tailândia, saíram nesta quarta-feira do hospital onde estavam internados desde a semana passada, em Chiang Rai. Fizeram agora a primeira aparição pública desde o resgate, numa conferência de imprensa que foi transmitida em directo. “Tinha medo de não voltar para casa, tinha medo de levar um raspanete da minha mãe”, contou um deles.
Outro rapaz recordou que ficaram incrédulos quando o primeiro mergulhador apareceu – e ainda mais porque não era tailandês. Dizem que foi como um milagre.
O treinador disse que todos tinham concordado em entrar na gruta e que nunca pensaram que a água pudesse subir tanto. “Soubemos que estávamos presos quando tentámos regressar. Ficámos molhados e tivemos de nadar”, contou. E referiu que, ao contrário do que tinha sido dito inicialmente, os adolescentes sabiam nadar, uns melhor do que outros. O grupo falou ainda nas árduas condições em que ficaram encurralados, só bebendo “água das estalactites” e a tentar escavar para sair da gruta.
Apesar da fome que sentiram – um dos rapazes falava até da comida preferida enquanto dormia, contam os amigos entre risos –, um dos principais receios era a reacção dos pais: além do “raspanete”, um deles tinha medo de ser castigado pelo pai; outro disse que estava preocupado por não conseguir fazer os trabalhos de casa. Todos disseram que queriam voltar a pedir desculpa aos pais.
Sobre o futuro, os rapazes responderam que querem ser jogadores de futebol profissionais ou mergulhadores da Marinha, intenção que arrancou uma salva de palmas da plateia durante a conferência. Alguns dos rapazes planeiam agora ser aprendizes de monges budistas, uma prática comum no país para quem passa por situações tumultuosas.
Ser monge budista serve também para homenagear o mergulhador de 38 anos que morreu durante a operação de resgate, uma das notícias que mais abalaram o grupo. Em palco, os rapazes ergueram uma imagem do mergulhador Saman Guman, com mensagens escritas por eles. “Sentimo-nos culpados pela sua morte”, lamentou o treinador.
Na hora de sair da gruta, não houve pressas nem competição, contam, dizendo que os que saíram primeiro eram os que moravam mais longe. Já sãos e salvos, a chegada ao local da conferência foi marcada por todos os agradecimentos que iam fazendo, com sorrisos nos rostos e camisolas iguais – com uma referência à sua equipa, os “Mu Pa”, que significa “Javalis Selvagens” em tailandês.
O perigo da atenção mediática
As perguntas feitas pelos jornalistas foram enviadas previamente, tendo sido analisadas por um psiquiatra infantil — ao todo, foram submetidas mais de 100, mas nem todas foram feitas. Os familiares das crianças, os três socorristas que ficaram dentro da gruta com eles e os profissionais de saúde que acompanharam o grupo também estiveram presentes no encontro com os meios de comunicação social. A médica responsável pelos tratamentos diz que os rapazes tiveram “um espírito forte” desde o início.
Findo o encontro com os meios de comunicação social, os rapazes voltam agora para casa e para as famílias. O objectivo da conferência é mesmo esse: que sejam feitas todas as perguntas “para que eles possam voltar para as vidas normais sem que os media os chateiem”, disse à AFP o porta-voz do Governo tailandês, Sunsern Kaewkumnerd.
“Não sabemos que feridas têm estas crianças nos seus corações”, argumentou também o responsável do Ministério da Justiça tailandês, Tawatchai Thaikaew, pedindo que a privacidade dos rapazes seja respeitada e temendo consequências da atenção mediática na sua saúde mental.
Depois de salvos da gruta, os rapazes foram internados no hospital, onde se percebeu que estavam bem de saúde, ainda que houvesse casos de infecção pulmonar. Só puderam ver a família através de uma janela, por precaução.
Os rapazes têm entre 11 e 16 anos e desapareceram a 23 de Junho, juntamente com o treinador de 25 anos, um antigo monge budista. Ficaram dez dias presos na gruta que inundou com as fortes chuvas das monções, sem luz e sem comida, até serem encontrados por dois mergulhadores britânicos pertencentes a uma equipa internacional de resgate. Com muitas complicações e desafios à mistura, o grupo acabou por ser retirado, um a um; no dia 10 de Julho estavam todos cá fora.