Quem é Ake? O treinador e antigo monge budista também salvou as crianças na gruta

Ekkapol Chantawong tem 25 anos e ficou órfão aos dez. Foi durante uma década monge budista (e só deixou de o ser para tomar conta da avó doente) e os especialistas dizem que a sua capacidade de meditar e manter-se calmo foi fulcral para manter os rapazes vivos dentro da gruta.

Foto
O treinador (à esquerda), dentro da gruta com o grupo de rapazes LUSA/ROYAL THAI NAVY / HANDOUT

Foi num templo dourado na região montanhosa do norte da Tailândia, quando era monge budista, que o treinador Ekkapol Chantawong, agora com 25 anos, aprendeu a manter-se calmo e a dominar a arte de meditar – uma habilidade que lhe viria a ser útil (talvez vital) durante os dez dias em que esteve preso, sem luz e sem comida, com um grupo de crianças numa gruta da Tailândia. E Ekkapol, mais conhecido pelos rapazes como “treinador Ake”, já tinha enfrentado adversidades antes: perdeu os pais quando tinha dez anos e deixou de ser monge budista para tomar conta da avó doente.

Os mergulhadores dizem que o treinador é um dos que está em pior condição física, já que abdicou da pouca comida que traziam consigo para a dar aos rapazes, deixando-lhes também grande parte da água que pingava das estalactites e que os manteve vivos. O treinador ensinou as crianças a meditar e a conservar o máximo de energia possível e os socorristas garantiram desde o primeiro dia em que o grupo foi encontrado que foram os esforços de Ekkapol que fizeram com que todos ficassem vivos. “Vejam o quão calmos eles estão [no vídeo], à espera. Ninguém estava a chorar sequer, é surpreendente”, disse a mãe de uma criança de 11 anos que pertence ao grupo, sem dúvidas de que a presença do treinador foi crucial.

Ekkapol Chantawong foi monge budista durante uma década. Mesmo depois de ter deixado a ordem religiosa há cerca de três anos, ainda tinha por hábito meditar com os monges do templo quase todos os dias. A família de Ekkapol diz que ele decidiu tornar-se monge pouco depois da morte dos seus pais, quando tinha dez anos, altura em que passou a viver com a avó, conta o New York Times. Não é mencionada a forma como o treinador perdeu os seus pais, ainda que existam relatos de que Ekkapol tenha também ficado sem um irmão. 

Foto
Fotografia retirada do Facebook de Ekkapol Chantawong

“Acredito que [a meditação] tenha sido vantajosa – mesmo que tenha servido unicamente como uma forma de as crianças sentirem que o seu treinador estava a fazer algo para as ajudar”, argumentou o professor universitário de Psicologia, Michael Poulin, à Associated Press. Uma tia do treinador Ake, Tham Chantawong, disse à Associated Press que a sua capacidade de permanecer calmo foi a chave para manter o grupo vivo: “Ele conseguia meditar durante uma hora. E isso ajudou-o de certeza e provavelmente também ajudou os rapazes a ficarem calmos”.

A última publicação de Ake no Facebook, feita no dia 23 de Junho – o dia em que desapareceram –, mostra o grupo de rapazes a jogar futebol. O vídeo foi partilhado por mais de seis mil pessoas e soma já mais de 31 mil comentários. A equipa só viria a ser encontrada por dois mergulhadores britânicos (Richard Stanton e John Volanthen) dez dias depois.

O treinador pediu desculpa aos pais, eles disseram “não te preocupes”

No Facebook de Ekkapol Chantawong, há fotografias de quando era monge, com as típicas vestes laranja, imagens da sua infância e muitas fotografias dele com as crianças da equipa: a andar de bicicleta, em campo, a jogar à bola, a passear. O grupo de jovens pertence à Academia Mu Pa (que significa “javalis selvagens” em tailandês), uma equipa de futebol da região de Mae Sai, em Chiang Rai. Quem conhecia a equipa, diz que eram todos unidos e que estavam sempre a participar em actividades juntos, bem além do futebol.

Nas publicações mais recentes, há centenas de comentários com preces para que a equipa consiga sair em segurança e a desejar força aos socorristas e ao grupo. Ainda que grande parte dos comentários sejam positivos, há também quem acuse o treinador de ter sido irresponsável. “Ele é um bom rapaz”, garante uma das suas tias. “É muito atencioso e adora futebol”.

Foto
Fotografia retirada do Facebook de Ekkapol Chantawong

Já dentro da gruta, Ekkapol escreveu uma carta aos pais das crianças, em que lhes pedia desculpa: “Agora todos os rapazes estão bem, as equipas de socorro estão a tratar-nos bem. Prometo que cuidarei dos miúdos da melhor forma que conseguir. E peço desculpas sinceras a todos”. As famílias reagiram às palavras do treinador, enviando uma carta também através dos mergulhadores, garantindo que não o culpabilizavam pela situação. “Os pais e as mães não estão zangados contigo. Obrigado por ajudares a cuidar dos nossos filhos”, disse um dos pais, citado pela BBC. “Não estamos de modo algum zangados contigo, não te preocupes”, escreveu ainda uma das mães.

Na carta enviada, Ekkapol deixou também uma mensagem à sua família mais próxima: “Querida avó e tia, eu estou bem. Não se preocupem muito. E, por favor, cuidem da vossa saúde.”

Foto
Uma das cartas escritas na gruta REUTERS

Contra a água e contra o tempo

O que levou os rapazes até à gruta ainda não é certo: alguns socorristas dizem que era uma espécie de “ritual de iniciação”, em que os rapazes tinham de ir até ao final da gruta e inscrever os seus nomes na parede; a Reuters diz que o grupo decidiu explorar a gruta enquanto celebrava o aniversário de um dos membros da equipa. A BBC refere que o grupo se dirigiu ao local depois do treino matinal, em que Ekkapol, treinador assistente, tinha assumido as rédeas porque o treinador principal não podia estar presente. O treinador de 25 anos já tinha estado antes na gruta com o grupo de rapazes — o complexo de grutas é uma atracção conhecida entre os residentes locais e os turistas.

As primeiras quatro crianças foram resgatadas da gruta este domingo, numa “guerra contra a água e contra o tempo”, e as operações de resgate poderão demorar entre três a quatro dias. Depois do entusiasmo inicial de terem sido encontrados os rapazes com vida, passados dias sem quaisquer sinais, as monções começaram a ameaçar as operações de resgate, mesmo depois de terem sido drenados milhões de litros de água da gruta.

A morte do experiente mergulhador voluntário Saman Kunan, de 38 anos, na sexta-feira, criou ainda mais tensão e desespero – mas o salvamento de algumas das crianças trouxe consigo uma brisa de esperança. As operações de resgate recomeçam nesta segunda-feira para tirar os oito adolescentes e o treinador que continuam presos na gruta.

Foto
As operações de resgate RUNGROJ YONGRIT
Sugerir correcção
Ler 2 comentários