Transferência do Infarmed ameaça saúde pública em Portugal e no mundo, diz presidente

Maria do Céu Machado avisa que a perda de trabalhadores decorrente da eventual deslocalização da autoridade do medicamento para o Porto implicará perda de produtividade

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Daniel Rocha

A presidente do Infarmed, Maria do Céu Machado, alertou esta terça-feira que uma deslocalização da instituição pode ser uma "ameaça à saúde pública" em Portugal e também no mundo.

Ouvida na Comissão Parlamentar de Saúde, a propósito de uma eventual deslocalização da Autoridade do Nacional do Medicamento de Lisboa para o Porto, anunciada pelo ministro da Saúde, a responsável teceu também duras críticas a um relatório pedido pelo Governo, que considerou superficial e opinativo.

As conclusões do relatório do grupo de trabalho nomeado pelo Governo para apreciar a deslocalização do Infarmed para o Porto foram divulgadas na última semana de Junho.

No Parlamento, a médica criticou duramente o documento, disse não entender os benefícios da deslocalização e alertou para perigos para a saúde pública, para os custos envolvidos e para a perda de credibilidade do Infarmed e de Portugal.

Maria do Céu Machado começou por dizer que o facto de mais de 90% dos trabalhadores do Infarmed não quererem ir para o Porto não é por "birra", mas pelos custos pessoais, familiares e financeiros que a mudança acarreta.

Respondendo aos deputados, disse que "obviamente" com a perda de trabalhadores vai haver perda de produtividade e isso é uma ameaça à saúde pública em Portugal, mas também no resto do mundo, porque há muitos medicamentos pelos quais o Infarmed é responsável durante todo o ciclo de vida.

"Somos um país de referência na avaliação de medicamentos, e quando o país é responsável por uma avaliação é responsável por esse medicamento. Se estivermos dois ou dois anos e meio num processo de deslocalização", a quebra de actividade pode pôr "em risco" a segurança desse medicamento, o que levaria "a um problema" para todos os países da Europa e outros países fora da Europa, avisou.

Sobre a instabilidade que se vive na instituição, Maria do Céu Machado lembrou que 20% dos trabalhadores têm intenção de sair do Infarmed. Quanto ao relatório, confessou que no Infarmed tinham "alguma expectativa" nos seus resultados, mas afinal, disse, não contém vários cenários, não se avaliou o custo-benefício da deslocalização, e sobre essa matéria não há mais que "um conjunto de frases sem evidência". "Ainda ninguém conseguiu perceber os benefícios" da deslocalização, nem o relatório os aponta, acrescentou.

"O grupo de trabalho [responsável pelo relatório] assume que há um risco de perda de trabalhadores, mas diz que se podem contratar novos. Todos sabemos que um concurso público tem uma duração média de dois a dois anos e meio", salientou a responsável, explicando que ir buscar profissionais a outras agências nunca seria possível e que só será possível recrutar "pessoas sem experiência".

Disse ainda que a saída de muitos profissionais devido à deslocalização vai reduzir o número de pessoas necessárias para assegurar a actividade normal, "quanto mais para fazer formação".

Em relação ao laboratório do Infarmed, ao qual o grupo de trabalho "não deu importância", recolocar todo o equipamento e recalibrá-lo poderá ter custos elevadíssimos, mas "nada está quantificado"

Maria do Céu Machado garantiu que está a preparar o contraditório ao relatório do grupo de trabalho, que nas palavras da responsável foi feito com base numa auditoria externa de quatro dias que não percebeu o que é o Infarmed e que até tem informação incorrecta e enganadora.

E disse ainda que Portugal tem responsabilidades no ciclo de vida de vários medicamentos, que com uma deslocalização teria de dizer que não conseguia seguir esses medicamentos "durante dois ou três anos", o que seria "gravíssimo".

E ainda que o Infarmed espera ser aprovado pela FDA (autoridade do medicamento dos Estados Unidos) até ao final do ano, o que significa "negócio para Portugal e para as empresas portuguesas", o que não acontecerá com a deslocalização.

Os deputados tinham direito a uma segunda ronda de perguntas, mas não a fizeram.