Damon a solo com os Gorillaz

Os Gorillaz tornaram-se a possibilidade oficial de Damon Albarn poder fazer música com a despreocupação dos primeiros tempos – haveria sempre uns bonecos a separá-lo da realidade.

The Now Now vale uma unidade de canções mais clara do que acontecia em Humanz
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The Now Now vale uma unidade de canções mais clara do que acontecia em Humanz
Damon Albarn, Jamie Hewlett, Gorillaz
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No passado fim-de-semana, Del the Funky Homosapien apareceu nas notícias ao cair do palco no festival de Roskilde, na Dinamarca, quando interpretava com os Gorillaz um dos temas mais emblemáticos do grupo – Clint Eastwood. Não fosse o acidente e o mais provável seria continuarmos a ignorar a ligação actual do rapper ao colectivo criado pelo encontro entre a música de Damon Albarn e as ilustrações de Jamie Hewlett e revelado ao mundo em 2001.

Embora fosse a parceria a dois a fornecer as pistas para os Gorillaz, as quatro personagens criadas por Hewlett apontavam, num primeiro momento, para correspondências que não eram difíceis de estabelecer com a formação inicial: Albarn tinha como claro alter-ego BD o vocalista 2-D, Miho Hatori (dos Cibo Matto) era a guitarrista que nos ecrãs se reconhecia como Noodles e o baterista/rapper Russell era a expressão animada de Del the Funky. Murdoc, o baixista, embora sem semelhanças evidentes, poderia representar por procuração o produtor Dan the Automator – com quem Albarn se cruzou no belíssimo álbum conceptual do projecto Deltron 3030 e que arrastou para a sua experiência de pop lúdica, pretexto para se evadir da seriedade de uma carreira em que os Blur se haviam visto metidos.

Não demorou, no entanto, para que se percebesse que os Gorillaz eram um falso colectivo, criado para dar vazão à transbordante criatividade do homem dos Blur, uma manta sob a qual podia espraiar a sua vontade de brincar com sonoridades electrónicas, hip-hop, dancehall ou músicas do mundo sem ter o peso da responsabilidade a pender-lhe sobre o pescoço. Os Gorillaz, de certa forma, tornaram-se a possibilidade oficial de Damon Albarn poder fazer música com a despreocupação dos primeiros tempos – haveria sempre uns bonecos a separá-lo da realidade, a criar uma ficção dentro da qual as canções eram apenas canções, movidas pelo prazer e não pela necessidade ou pela obrigação de alimentar várias contas bancárias.

Como aqui escrevíamos a propósito do anterior Humanz, lançado há um ano, os Gorillaz pareciam, na verdade, acompanhar a relação de Albarn com a sua filha Missy – a presença de Vince Staples e outros convidados em Humanz era justificada com a muito humana tentativa de um pai impressionar a sua cria de 17 anos -, abandonando o tom mais lúdico do início em favor de um mergulho na música negra norte-americana de hoje. Mas as críticas abateram-se sobre Humanz devido, precisamente, à salganhada de músicos exteriores convidados a frequentar a festa privada de Damon.

A resposta a essas farpas é este The Now Now, álbum composto na estrada, com um lote de colaborações extremamente controlado – há Snoop Dogg e Jamie Principle em Hollywood, sem grande estrépito, sobretudo quando se trata de um dos temas menos convincentes do álbum. Há umas vozes de Abra em Sorcererz ou guitarras de Graham Coxon em Magic city, mas tudo com a discrição devida para só brilharem na ficha técnica e para não retirarem o foco do álbum: Albarn e 2-D. E, de facto, The Now Now só com olhar concentrado nalguns destes temas podemos evitar ver aqui um sucessor de Everyday Robots (disco de Damon Albarn, assumido em nome próprio): a leveza de Humility, Tranz, Sorcererez ou Magic city estabelecem uma ponte mais óbvia com a pop descomprometida dos Gorillaz do que com a melancolia quotidiana de Everyday Robots.

Só que essa linha de separação entre os dois mundos torna-se irrelevante em temas como Idaho e emagrece até à invisibilidade no trio final – Fire flies, One percent e Souk eye soam mais alinhadas com esse universo solitário, ao mesmo tempo que se apresentam como três das canções mais notáveis que The Now Now esconde no seu interior. Claro que aquilo que verdadeiramente interessa é perceber o que vale The Now Now. E, desde logo, vale uma unidade de canções mais clara do que acontecia em Humanz. Como se, neste disco em que Albarn diz estar simplesmente “a cantar no mundo do 2-D”, o músico não se tivesse dado conta de que os dois mundos são cada vez mais um só.

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