Growroom, ou como Abrantes tem espaço para crescer a partir de um jardim comunitário
Growroom é a proposta de uma dupla de arquitectos dinamarqueses para trazer a agricultura de volta à cidade. Um dos co-criadores construiu um jardim comunitário em Abrantes, durante o 180 Creative Camp. Mas qualquer pessoa pode fazer o seu, através do manual disponível online.
Como é que a arquitectura pode ajudar a trazer a produção de comida — e a natureza — de volta às cidades? Mads-Ulrik Hussum, arquitecto dinamarquês, está sentado dentro de uma possível resposta. “Criámos este conceito de agricultura urbana em que tens uma esfera, podes plantar vegetais e sentar-te lá dentro com eles”, resume, ao P3.
Chamaram-lhe Growroom. “Pensámos numa forma das pessoas conseguirem cultivar os seus vegetais à porta de casa, de uma forma bonita e sustentável”, continua, “que poupe recursos escassos, como é o caso do próprio espaço”.
A dupla de jovens arquitectos dinamarqueses, Hussum e Sine Lindholm, apresentou a estrutura — criada em parceira com o laboratório de inovação Space10 — em 2016, na Chart Art Fair, uma competição de arquitectura em Copenhaga. Saíram vencedores na categoria de “agricultura urbana”. Agora, Mads-Ulrik veio a Abrantes, Santarém, “plantar” uma esfera que irá originar uma horta comunitária para a cidade (ou um jardim). O convite chegou da parte do canal180, integrado na componente "Fábrica" do 180 Creative Camp, que convida artistas a deixarem uma marca na cidade que dure além da semana na qual mais de cem criativos de várias nacionalidades se reúnem no centro de Portugal.
Mas o arquitecto nem precisava de ter vindo pessoalmente montar a estrutura, na terça-feira, 3 de Julho — o design que co-criou está disponível para ser usado por qualquer pessoa desde Fevereiro de 2017, sob uma licença de Creative Commons.
“Decidimos, com o Space10, que queríamos dar às pessoas o direito de partilhar, usar e construir sobre uma obra que nós criamos”, lê-se, no manual de montagem passo a passo, que disponibilizaram online.
Isto porque depois de mostrarem o modelo original na feira de Copenhaga receberam muitos pedidos de festivais e projectos comunitários à procura de o alugar ou comprar — o que, na perspectiva dos criadores, não se coadunava com o princípio de produção local. Os ficheiros já foram descarregados mais de 25 mil vezes, conta, e acreditam que “haja mais construídos do que os documentados” no Instagram, localizados através da etiqueta #space10growroom. Em troca, pedem apenas que o trabalho seja acreditado aos criadores originais, que inclua o nome com que foi baptizado (The Growroom) e que lhes enviem uma fotografia do resultado final.
Para a versão open source, os arquitectos refizeram o processo de construção, tornando-a “mais fácil e muito barata”. Também diminuíram o tamanho do “pavilhão original” para os 2,5 metros de diâmetro. A estrutura é produzida inteiramente em contraplacados de madeira (17 peças), cortados com recurso a uma máquina própria (CNC) e exige 500 parafusos. O processo de montagem é semelhante ao de um móvel do IKEA — mas, contrariamente a notícias anteriores, o projecto não "tem qualquer relação com a multinacional sueca", além do parceiro Space10 ter sido lançado pelo IKEA.
Com a ajuda de quatro voluntários do Creative Camp do canal180, Hussumdemorou uma hora e meia a concluir a construção. “Mas isto torna-se mais fácil quantas mais vezes fizeres, claro”, avisa. “Se alguém tentar construir um, com a ajuda de amigos ou família, demoraria cerca de cinco a sete horas”, calcula.
Uma esfera que é um “mundo verde” na cidade
O resultado (com algum jeito) será um “pavilhão esférico”, a mesma forma do globo que “representa a consciência de biosfera”. E, quando se enche de plantas, a horta comunitária assemelha-se a “um planeta verde, vibrante”. “Vivemos num único planeta, estamos juntos, plantas e humanos, e temos de interagir uns com os outros”, defende. Ao mesmo tempo, contraria “o modelo global de produção”, em que o que comemos chega aos nossos pratos desde o outro lado do mundo e oferece uma “alternativa local séria”.
O pavilhão tem uma entrada para “convidar o visitante a entrar num mundo íntimo”, onde pode partilhar um lugar com outros seres vivos. “É novamente a ideia de coexistência e de igualdade”, explica Hussum, “porque além de ser um abrigo para as plantas também funciona como um refúgio para humanos”.
Quem entra pode “sentar-se na sombra” e “cheirar as plantas” enquanto bebe um café ou lê um livro, por exemplo. A primeira impressão, descreve, é a mesma de entrar num “santuário”. “Desligas por um segundo”, diz. “Depois sais mais calmo, aquela atmosfera muda-te.” Criar um espaço no meio da agitação das grandes cidades para “simplesmente fazer uma pausa” e “reconectarmo-nos com a natureza” era outro dos focos da dupla de arquitectos.
Mas a Growroom pode também funcionar como ponto de reunião das comunidades de cidades pequenas onde “tudo fica silencioso depois das 18h”. “Aqui ninguém está nas ruas e não há muita luz, à noite. Mas ao mesmo tempo toda a gente se conhece, percebes isso porque se cumprimentam em todo o lado, coisa que não acontece em Copenhaga, onde vivo”, ri-se, ao relatar a experiência que teve nos dias que passou em Abrantes, a primeira vez que veio a Portugal.
Growmore
O conceito da Growroom “funciona na perfeição”, mas uma esfera é uma estrutura rígida com espaço limitado. Se for preciso cultivar mais, “então tem de se construir um novo”. Por isso, a equipa está desde 2017 a trabalhar num novo sistema escalável mais flexível que permite, com a adição de poucos componentes, mudar a configuração ou o tamanho do modelo e adaptá-lo ao espaço disponível e às necessidades de produção.
O projecto para jardineiros urbanos, que se assemelha a um “sistema de LEGO”, foi apresentado em Agosto passado na bienal de arquitectura de Seul, na Coreia do Sul. Lá, construíram três estruturas diferentes: uma com arbustos decorativos, outra com flores e outra ainda com ervas e vegetais, para servir o restaurante local. O plano é, mais uma vez, disponibilizar o design em opensource. Chamaram-lhe, claro, Growmore.