O que une e ainda divide os países na reforma do euro
São esperados alguns passos, mas principalmente muitos adiamentos nas discussões sobre a reforma da união monetária na cimeira do euro que se realiza esta sexta-feira.
Era para Junho que estavam prometidas as mudanças que tornariam mais forte a união monetária europeia, mas, esta sexta-feira, na cimeira do euro em Bruxelas, poucos serão os anúncios de acordos definitivos, com muitas das matérias mais importantes, como a criação de um orçamento da zona euro a serem deixadas para Dezembro. Ainda assim, será agora que todos os países vão ter colocar em cima da mesa as suas posições sobre a reforma da união monetária.
Um orçamento para a convergência
O objectivo é minimizar umas das fragilidades mais vezes apontadas à união monetária europeia: a falta de um tesouro e orçamento comuns, capaz de ajudar a evitar que se gerem crises graves ao estilo da ocorrida na Grécia, Irlanda ou Portugal. Na proposta franco-alemã, a ideia é que a zona euro passe a ter um orçamento próprio (para além do orçamento da UE) e que este seja usado principalmente para reforçar o investimento dos países que tentam convergir com a média europeia. Esta tem sido a prioridade de Portugal nas discussões da reforma do euro e o facto de estar incluído no acordo Merkel/Macron pode ser visto já como uma vitória.
No entanto, a vitória definitiva não só ainda não é certa como, a acontecer, será sempre parcial. Será parcial porque não se antecipam verbas significativas para este orçamento. E não é certa porque vários governos não estão satisfeitos com a ideia de ter de financiar mais um orçamento comum, dizendo que esse seria um passo para uma união de transferências, em que os países disciplinados permanentemente financiariam os não disciplinados. Na semana passada, doze países, incluindo a Holanda e a Irlanda, assinaram um comunicado conjunto em que criticam a proposta de Berlim e Paris, não se antecipando por isso uma aprovação fácil no conselho de líderes europeus.
Um orçamento para estabilizar
Para além do objectivo da convergência, também se estuda a possibilidade de criação de uma capacidade orçamental para acorrer em situações de crise. Neste caso, o que pode começar a ser discutido são ideias como as de ter fundos preparados para reforçar o investimento nos países em crise, libertá-los temporariamente do pagamento de contribuições para o orçamento da UE ou criar um subsídio de desemprego comum europeu (ideia defendida pelo FMI), complementar aos subsídios nacionais. Mais uma vez, esta partilha de riscos entre os Estados membros está longe de ser consensual e, para já, apenas se prevê estudar estas hipóteses nos meses a seguir à cimeira, para uma decisão, talvez, no conselho de Dezembro.
Reforço do MEE nos programas de resgate
Entregar ao Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), liderado pelo alemão Klaus Regling, um papel central na arquitectura da zona euro parece ser a ideia em que será mais fácil encontrar um consenso já nesta cimeira. O MEE deverá deixar de ser apenas a instituição que vai buscar aos mercados o dinheiro que é depois emprestado aos países sob resgate para passar ter uma série de outras funções. Uma delas é estar ao lado da Comissão Europeia no desenho e fiscalização dos programas a que estão sujeitos esses países. Na prática, se a proposta for aceite, o MEE ocupará o lugar deixado vago pelo FMI na troika. Isto agrada à Alemanha, que não gosta da forma como a Comissão tem vindo a usar critérios mais políticos na análise às finanças públicas dos Estados membros, mas encontra oposição noutras capitais, como Roma, e dentro de Bruxelas.
Um FMI para a Europa
Para reforçar a ideia de que passaremos a estar perante um verdadeiro FMI europeu, ao MEE poderá também ser dado um novo instrumento de prevenção de crises, que é a possibilidade de abrir uma linha de crédito, de dimensão relativamente reduzida, aos países que comecem a dar sinais de dificuldades no acesso aos mercados. Também aqui, se espera alguma oposição de países como a Holanda, desconfiados da possibilidade de se poder emprestar dinheiro aos Estados sem a existência de um programa de ajustamento completo.
Para além disso, o MEE vai ser também o responsável por garantir que o Fundo Único de Resolução para o sistema bancário tem a capacidade para enfrentar a queda de um banco europeu de grande dimensão, um tema em que, ao fim de longos meses de discussão, o acordo já foi possível.
Por fim, nesta cimeira, os governos europeus irão discutir qual o nome que o MEE passará a ter. Uma ideia muitas vezes referida era passar a chamá-lo Fundo Monetário Europeu, mas o BCE não concorda com a designação “monetário” para este fundo.
Facilitar reestruturações de dívida no mercado
Este é uma das questões em que a Alemanha mais insiste: fazer com que os mercados saibam que podem vir a assumir perdas significativas no caso de um país da zona euro deixar de poder pagar as suas dívidas. Não foi isso que aconteceu (pelo menos inicialmente) durante a última crise, e Berlim não quer que, mais uma vez, os mercados garantam taxas de juro baixas a países indisciplinados nos seus orçamentos pelo simples facto de pertencerem à zona euro, como aconteceu durante a primeira década da união monetária.
A forma que acordou com a França de contribuir para este objectivo é a introdução nas emissões de dívida dos países da zona euro da regra alarga uma reestruturação de dívida a todos os investidores, caso pelo menos 75% a aceitem.
Para os países que têm mais dificuldade em aceder aos mercados, como Portugal, este risco acrescido pode ser um problema, principalmente num momento de crise. O Governo italiano já deu mostras de não concordar com a ideia.
Completar a união bancária
Faltam dois passos para completar a união bancária, mas na cimeira desta sexta-feira, apenas um desses passos será dado. No Eurogrupo, os ministros das Finanças já chegaram a acordo para garantir que o Fundo Único de Resolução tem o poder de fogo necessário para enfrentar problemas graves em bancos da zona euro, usando para isso o MEE. No entanto, a criação de um seguro de depósito comum, a medida que garantiria que os bancos da zona euro passassem a ser vistos pelas mesmas lentes independentemente do país de onde vêm, ainda está muito longe de ser acordada.
Um seguro de depósito comum significaria que, em caso de falência de um banco na zona euro, os aforradores teriam um montante de depósito garantido por um fundo comum a todos os Estados membros. Isto faria com que bancos de características iguais passassem a ser vistos de forma idêntica, fosse qual fosse o país onde estivessem situados.
O problema é que um seguro de depósito comum implica uma nova partilha de riscos entre os Estados. E em países como a Alemanha teme-se que o seu orçamento sirva para pagar os problemas que surjam em bancos de países como a Itália ou Portugal, onde indicadores como o crédito mal parado são mais preocupantes.
É por isso que chegar a um acordo rápido parece para já impossível. Os países com medo da partilha de riscos exigem que, primeiro, os vários Estados reduzam o potencial para problemas, pedindo por exemplo que o rácio do crédito malparado baixe para os 5% do crédito total, um valor muito mais baixo do que aquele que se regista em Itália e Portugal. Os países mais favoráveis a um processo mais rápido, pedem que pelo menos se defina já um calendário, que reforce a confiança nos sectores financeiros da zona euro.