Uma sondagem recente da Universidade Católica Portuguesa para a Plataforma Basta revelou que 69% dos cidadãos de Lisboa não concorda com a promoção das touradas no Campo Pequeno por parte da casa Pia de Lisboa, nem com o apoio da Câmara Municipal de Lisboa à realização de touradas na cidade.
De acordo com os dados recolhidos, 89% da população de Lisboa nunca sequer assistiu a uma tourada na Praça de Touros do Campo Pequeno (desde a reabertura em 2006). Uma maioria significativa dos cidadãos lisboetas (64%) também não concorda com o apoio da autarquia à realização de touradas no Campo Pequeno e 75% são contra a utilização de dinheiros públicos para financiar e apoiar as touradas (subsídios, isenção de taxas, benefícios fiscais, etc.).
A realização de corridas de touros nunca foi consensual no nosso país e chegaram mesmo a estar proibidas em vários períodos da nossa história.
Apesar da própria lei portuguesa considerar esta actividade uma violência injustificada contra animais, conforme a Lei de Protecção dos Animais (Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro), a verdade é que tem perpetuado uma incompreensível excepção que tem permitido que sejam infligidas aos animais as maiores crueldades na arena — e nos casos de Barrancos e Monsaraz, a morte gratuita do animal elevada a espectáculo.
Tudo isto ao arrepio da ética, da ciência e do sentir social dos nossos tempos.
Convém desmistificar alguns dos argumentos que são embandeirados pelo lobby do sector tauromáquico, desde logo clarificando que a tauromaquia não está inscrita ou classificada como parte integrante do património cultural imaterial português. Mesmo existindo algumas referências em legislação avulsa ou encontrando-se a realização destes eventos sob a tutela da Inspecção-Geral das Actividades Culturais, a verdade é que do ponto de vista formal não acolhe o estatuto que lhe querem conferir nesta colisão de interesses entre a cultura e o respeito pelo direito a não sofrer dos animais.
E mais: contrariamente ao que diz ainda o sector, a tauromaquia é insustentável do ponto de vista económico. A sua subsistência depende do recurso aos apoios, subsídios e financiamentos públicos, sem os quais, principalmente os atribuídos pelas autarquias locais, não seria possível a realização de touradas de praça em Portugal. E veja-se que esta actividade tem vindo a gozar de apoios estatais e locais verdadeiramente obscenos. Estima-se que anualmente mais de 16 milhões de euros são canalizados para esta actividade.
Só em Lisboa, a Praça de Touros do Campo Pequeno beneficia de uma isenção do Imposto Municipal sobre os Imóveis no valor de nove milhões de euros. A somar à isenção que os espaços comerciais existentes na Praça de Touros também gozam, ascende aos 12 milhões de euros por ano.
Facilmente se percebe que a tauromaquia não é uma actividade sustentável nem está em expansão em Portugal e que tem sobrevivido apenas graças ao balão de oxigénio que os dinheiros públicos de todos nós lhe tem proporcionado, em detrimento de tantas outras actividades, como o bailado, a ópera, o teatro, entre outros exemplos, e para nosso embaraço, à conta do respeito pela vida e dignidade animal.
Mais grave ainda é que, apesar de existir um direito de superfície cedido pela autarquia de Lisboa à Casa Pia para a construção daquele espaço sob a condição de que caso o mesmo fosse cedido a terceiros a Câmara retomaria a posse da Praça, tal não tenha acontecido. É que quem beneficia de uma isenção prevista para entidades públicas (como é o caso da Casa Pia) é na verdade um terceiro, a Sociedade de Renovação Urbana do Campo Pequeno, num claro atentado aos direitos dos animais e ao Princípio da Igualdade.
A sondagem agora realizada só vem revelar que a população de Lisboa está do lado certo da história. Para além de ser injustificável que se continue a utilizar o nosso dinheiro para financiar touradas, os valores humanitários não podem ser alheios ao sofrimento animal.
Resta saber de que lado vão estar os restantes eleitos que me acompanham naquela que é a Casa da Cidadania – a Assembleia Municipal de Lisboa, e com maior responsabilidade ainda, os eleitos à Câmara Municipal. Se vão seguir o bom exemplo de Viana do Castelo e da Póvoa de Varzim ou se vão permitir que o lobby da tauromaquia prossiga os seus propósitos.
Admito até que num processo de reconversão da actividade ou do uso dado àquele espaço declarando Lisboa como um município livre de touradas, se perpetuem os trajes e as coreografias ou que se coloque a tauromaquia onde já devia estar há muito: num museu! Mas os animais, esses que estão no final da linha, e que na sua fragilidade estão na nossa inteira dependência, já vai sendo tempo de os deixarmos em paz.