Vinho Verde: 110 anos de uma Região que se reinventa
O Vinho Verde é hoje uma realidade económica e social: 15 mil agricultores produzem 100 mil toneladas de uva que são vinificadas e engarrafadas por 600 empresas.
O Vinho Verde faz 110 anos. A Região foi demarcada em 1908, ano turbulento em que o governo era presidido por Francisco Ferreira do Amaral. Agora que se prepara a vindima de 2018 é um óptimo momento para tomarmos o pulso à Região.
A história do Vinho Verde é marcada pela irreverência desta Região que insiste em fazer um vinho único e que tem de desbravar terreno contra todos os preconceitos.
Sempre se fez vinho no Minho. No séc. XVI instala-se em Viana do Castelo a Feitoria Inglesa e, dessa barra, saem os vinhos minhotos para o Norte da Europa. Com o Marquês de Pombal há uma forte viragem. De uma assentada é demarcado o Douro em 1756 e o quase monopólio do fornecimento de vinho para o Porto foi dado àquela Região. As barras do Minho, nomeadamente a de Viana, são fechadas por assoreamento. Sem ter como vender os seus vinhos, os produtores reuniram-se em 1785 e enviaram uma exposição à rainha solicitando que os Verdes fossem demarcados com a criação de uma Companhia Real, à semelhança do Douro. Nada disso se sucedeu: o Estado preferia o Douro. O Vinho Verde teria de tratar da sua vida e assim fez.
O Vinho Verde é hoje uma realidade económica e social: 15 mil agricultores produzem 100 mil toneladas de uva que são vinificadas e engarrafadas por 600 empresas. É grande a concentração de quotas com os dez maiores engarrafadores a representarem grande parte do negócio. A viticultura é rentável para produtores com boa produtividade: as uvas são valorizadas ligeiramente acima de um euro (o Alvarinho em Monção) e acima de 50 cêntimos (o Loureiro em Felgueiras), valores que estão entre os melhores do país. O investimento em novas vinhas é encorajante, com mais de 700 hectares por ano, de pequenos e grandes agricultores. Hoje, no Minho, há viticultores com 50, 100, 200 e um com mais de 400 hectares de vinha. Uma reforma agrária em silêncio!
No mercado nacional, liderado pelo Alentejo, o Vinho Verde é a segunda Região com maior presença, valor que se mantém estável, sendo a terceira Região – entre as de grande dimensão – quanto a preços médios.
A exportação tem apresentado resultados expressivos. Em 2000 a Região exportava 12 milhões de litros a um preço médio de 2,12 euros/litro, sobretudo para a diáspora portuguesa; em 2017 exportámos o dobro, 25,8 milhões de litros, a um preço médio de 2,36 euros para 104 países. O preço médio das exportações portuguesas é de 1,91 euros/litro (INE/Intrastat). É, hoje, comum ver a presença massiva de produtores de Vinhos Verdes nas principais feiras mundiais de vinhos ou em eventos organizados exclusivamente pela Região, como o Vinho Verde Wine Experience, em Manhattan, ou o Vinho Verde Wine Fest, no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Finalmente, os vinhos. Os Verdes de hoje são incomparáveis com o que tínhamos no passado. Mudou o vinho, a imagem e o seu reconhecimento público por concursos e especialistas em Portugal e fora dele. Hoje, não só a qualidade dos vinhos teve uma evolução admirável como 20% do negócio são já vinhos de qualidade e preço superior, como os Alvarinhos, os Loureiros, os vinhos das sub-Regiões.
Visto assim, parecem tudo rosas. Também há espinhos, os quais a Região tem de resolver.
Na viticultura a questão é a produtividade, conforme afirmava há uma década um estudo promovido por Daniel Bessa sobre o modelo económico da Região. O agricultor médio investirá quatro mil euros por hectare/ano no amanho da vinha. A sua rentabilidade depende, pois, de manter médias de produção acima das nove toneladas por hectare e de recorrer aos apoios da União Europeia para renovar as vinhas. As novas vinhas, de produção intensiva, apresentam valores acima destes mas há muitos produtores, sobretudo mais pequenos, que não chegam lá. A Região contribui com duas medidas: o seguro de colheita que cobre todos os produtores, e um plano anual de formação, que envolve centenas de agricultores.
A enologia é uma área em que a Região está forte. As universidades formaram uma nova geração de enólogos. Há uma diversificação interessante – apareceram rosados, vinhos com madeira, espumantes. O risco aqui é o de, procurando satisfazer o cliente, se optar por vinhos com muita tecnologia, reféns de alguma uniformidade de perfil, o que já vai acontecendo. A Região tem de valorizar as castas, os terroirs, buscando personalidade e diferenciação, ao invés de se deixar tentar a fazer o que tantos outros podem imitar.
Um dos pontos críticos que mais debatemos é a estratégia de valor e o posicionamento no mercado. Como é natural, todos nós gostaríamos de comprar mais barato e vender caro. Porém, só um tolo pediria que houvesse acordo ou tabelamento de preços pela Região. O caminho faz-se melhorando continuamente o produto, dando conhecimento e músculo às empresas. A Região tem dois negócios e precisa de ambos. Um negócio de volume significativo, em que a escala de produção é a chave e no qual os aumentos de valor têm muita inércia. Esperar aumentos aqui é iludirmo-nos. A estratégia que definimos é, pois, muito clara: criar novos segmentos de valor acima deste. São as castas e as sub-Regiões. Há 20 anos, as castas representavam menos de 5% do negócio do Vinho Verde. Hoje representam 20%. Este é o rumo: afirmar as castas autóctones e posicioná-las acima do Vinho Verde de lote. O Alvarinho e o Loureiro já fazem o seu caminho e outras (como é o exemplo do Avesso) virão. O segundo são as sub-Regiões. Começámos com Monção e Melgaço, a propósito do acordo Alvarinho e, gradualmente, outras se poderão afirmar.
As sub-Regiões são, claramente, o primeiro passo para DO’s autónomas. Quem ainda não reparou anda distraído. O objectivo estratégico é, pois, o de a Região ter três segmentos de valor contíguos, nos quais os produtores inserem as marcas naturalmente como entenderem. Longe, mas quão longe, vai o tempo em que quase 15% do negócio da Região era garrafão. E foi só há duas décadas...
A área que mais inércia tem mostrado na Região é o Enoturismo. O Vinho Verde tem uma oferta de enoturismo pálida face a outras regiões. Fundamental aqui é o sector encarar o turismo como uma actividade autónoma, com profissionais e conhecimento próprio, e não como a mera recepção de turistas que visitam a adega durante dez minutos e compram vinho. Os primeiros investimentos estão a aparecer.
Dito isto, o que temos 110 anos depois é uma marca forte – com projecção mundial –, uma fileira económica que emprega milhares de pessoas. Não está isenta de problemas, de desafios, mas enfrenta-os com uma clara noção de rumo. Chega de leitura; quando vai provar o seu próximo Vinho Verde?