Um terço dos alunos LGBTI sente-se inseguro nas escolas por causa da orientação sexual
Relatório da ILGA reflecte experiências de mais de 600 estudantes. Associação pede um ambiente escolar “mais inclusivo e atento às especificidades de jovens LGBTI+”, que pode melhorar o desempenho académico e reduzir o absentismo.
Cerca de um terço dos jovens LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais, transgénero e intersexo) sentem insegurança na escola por causa da sua orientação sexual, e 27,9% por causa da sua “expressão de género”, ou seja, a forma como se apresentam, revela o Estudo Nacional sobre o Ambiente Escolar divulgado nesta quarta-feira, que reuniu respostas de 663 jovens entre os 14 e os 20 anos de idade.
Os resultados deste inquérito, coordenado pela ILGA Portugal (Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual, Trans e Intersexo) - numa parceria com o Centro de Investigação e Intervenção Social do ISCTE-IUL e Centro de Psicologia da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, com o apoio da GLSEN (Gay, Lesbian and Straight Education Network) -, mostram que as escolas nem sempre são um espaço seguro para os alunos que fogem às normas no que toca ao género e à sexualidade, mas existe uma relação entre o apoio da comunidade escolar e um menor impacto negativo da discriminação sobre os estudantes LGBTI, como indiciam outros estudos.
Os dados foram recolhidos no Verão do ano passado, junto de jovens entre os 14 e os 20 anos que se identificassem como LGBTI+ - sendo que este “+”, lê-se no relatório da ILGA, “pretende abranger jovens em questionamento, mas também outras identidades não normativas”. Pedia-se que falassem sobre as suas experiências de discriminação em função da orientação sexual, identidade ou expressão de género e características sexuais. Dois terços dos que responderam eram de zonas urbanas, e cinco em cada seis estavam a frequentar o ensino público.
As boas notícias: a grande maioria dos inquiridos (93,3%) é capaz de identificar pelo menos um elemento do pessoal docente ou não docente da escola que apoia estudantes LGBTI, apesar de apenas metade dos alunos se sentir confortável para falar sobre estas questões com o psicólogo ou assistente social da escola.
E quanto maior a intervenção dos adultos perante comentários homofóbicos, maior o sentimento de pertença destes adolescentes LGBT. Se por um lado há uma probabilidade quatro vezes superior de um aluno ter faltado à escola no último mês por ter sido vítima de discriminação em função da sua orientação sexual, quando os adultos intervêm nos episódios homofóbicos há uma menor probabilidade de absentismo devido à insegurança.
Comentários homofóbicos
Mas também aqui os dados revelam um problema: a maioria dos inquiridos (61,1%) afirma ouvir comentários homofóbicos na escola “de forma regular ou frequente”; e nas situações em que estavam presentes professores ou funcionários da escola, em mais de metade dos casos os profissionais não intervieram. Já no caso de comentários negativos sobre a “expressão de género” dos estudantes, um em cada três alunos diz que os comentários partiram dos próprios professores ou funcionários.
Uma das soluções pode estar nas políticas activas anti-bullying: quando as agressões homofóbicas são claramente condenadas nos regulamentos das escolas, é muito mais comum os profissionais intervirem, e aumentam também as denúncias por parte das vítimas. Contudo, os dados mostram que apenas um em cada três estudantes (31,9%) denunciou pelo menos uma vez estas situações ao pessoal da escola, e apenas 30,4% destes alunos que denunciaram consideram que o pessoal da escola respondeu de forma eficaz às situações.
Muitos dos alunos que responderam ao questionário relatam uma percepção de invisibilidade do tema: três quartos dos estudantes afirmam que nunca assistiram a uma abordagem positiva sobre questões LGBTI nas aulas. “Parece não haver interesse da parte da escola em abordar assuntos com temática LGBTI”, afirmou um dos inquiridos, citado no relatório. Apesar de a maioria dos estudantes ter ouvido falar sobre bullying e violência na escola, apenas um em cada quatro diz que foi incluída informação específica sobre orientação ou identidade e expressão de género.
O estudo associa esta falta de informação a um sentimento de “exclusão e isolamento”. A grande maioria dos inquiridos - 73,6% - conta que sofreu alguma forma de exclusão deliberada por parte dos colegas, jovens que contam experiências de profunda solidão: “Pensei que iria ser ‘aceite’ e não fui, não tinha amigos e sentia-me sempre, sempre sozinha”, conta uma rapariga, num dos depoimentos partilhados.
Dois terços dos que responderam ao inquérito afirmaram ter sido alvo de “agressões verbais” por causa de características pessoais, seja por causa da sua expressão de género, da orientação sexual ou, num quarto dos casos, por causa da sua identidade de género, ou seja, por serem “trans”. Cerca de um terço dos estudantes evita mesmo frequentar espaços como balneários por insegurança ou desconforto. E apenas um em cada quatro se sente confortável para falar com o professor de educação física sobre questões LGBTI.
Perante os dados, que se somam ao conhecimento de vários anos de trabalho junto destes grupos, a ILGA recomenda no relatório que as temáticas LGBTI estejam mais presentes nas escolas, não apenas nos currículos mas também nas actividades desenvolvidas, assim como na formação dos professores. A associação pede ainda que seja respeitada a identidade de jovens transgénero, “reconhecendo o seu nome social e o direito à utilização adequada de espaços comuns”, e ainda que haja uma condenação clara do bullying homofóbico e transfóbico.