No final, quem ganha é Putin
Sujeita a sanções internacionais e à hostilidade de uns, mas admirada por países como Itália ou Áustria, a Rússia de Putin mostra não estar isolada e arrisca-se a ser ela a principal vencedora deste campeonato.
O Mundial de futebol que esta quinta-feira se inicia na Rússia tem duas conjunturas bem distintas. É improvável que a selecção russa tenha sucesso na prova, porque a sua trajectória mais recente não a coloca entre as favoritas a uma vitória na final e porque é a mais mal classificada entre todas as participantes na tabela da FIFA. Mas, num país onde o hóquei em gelo até é mais popular do que o futebol, a organização deste campeonato do mundo é mais importante para a Rússia pelo que pode representar em termos políticos e ideológicos, internamente, mas também externamente, do que por qualquer resultado desportivo. Sobre isso, não restarão dúvidas. Nos quatro anos que passaram desde a realização dos Jogos Olímpicos de Inverno, as relações entre o país e o Ocidente degradaram-se até chegarem a um ponto de não retorno. E não foi por causa do escândalo de doping que esteve na origem da decisão do Comité Olímpico de expulsar a Rússia dos próximos jogos. Não, o desporto é secundário.
O putinismo espalhou-se como um fungo e exorbitou os seus limites. Nesse compasso de tempo, a Rússia anexou a Crimeia; interferiu ironicamente a favor de um candidato republicano nas eleições presidenciais norte-americanas e tentou fazer o mesmo em outras eleições na Europa; tentou assassinar ex-espiões em Inglaterra no melhor estilo OO7 – Ordem para Matar; assumiu um papel preponderante no atoleiro sírio em defesa de Bashar al-Assad e por aí fora.
Um organismo consultivo do governo norte-americano, o National Inteligence Council fez uma previsão em 2008, segundo a qual a hegemonia dos EUA iria durar duas décadas, uma vez que se iria assistir à ascensão política e militar de três países: Rússia, China e Índia. Só o primeiro dos três entrará em campo neste mundial. E só as associações de defesa dos direitos humanos continuarão a falar dos seus atropelos (da perseguição aos opositores de Putin ou dos homossexuais, num tique tipicamente taliban) e das incongruências de uma FIFA, minada pela corrupção interna, capaz de condenar o racismo e de, ao mesmo tempo, contemporizar com o regime russo.
Sujeita a sanções internacionais e à hostilidade de uns, mas admirada por países como Itália ou Áustria, a Rússia de Putin mostra não estar isolada e arrisca-se a ser ela a principal vencedora deste campeonato.
E no final, desta vez, talvez não ganhe a Alemanha, como diria Gary Lineker.