Adam Zagajewski e Amalia Bautista na Casa Fernando Pessoa

O programa Lisbon Revisited – Dias da Poesia abre esta quinta-feira em Lisboa com o poeta polaco de Sombras de Sombras, que conversará com Ana Luísa Amaral e Jorge Sousa Braga.

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Adam Zagajewski

Ana Luísa Amaral, Jorge Sousa Braga e o poeta polaco Adam Zagajewski conversam esta quinta-feira ao final da tarde na esplanada da Casa Fernando Pessoa, em Lisboa, numa sessão moderada por Pedro Mexia que abre a edição inaugural do programa Lisbon Revisited – Dias da Poesia.

A directora da Casa Fernando Pessoa, Clara Riso, diz que a intenção é que estes Dias da Poesia venham a ter periodicidade anual e explica que escolheu os poetas desta edição “a pensar nos leitores de poesia portugueses” e procurando, num elenco que cruza poetas portugueses e estrangeiros, “variedade de género e de campos de escrita”, e ainda “variedade de língua materna “ no que respeita aos que vêm de fora.

Além dos poetas já referidos, passarão ainda pela Casa Fernando Pessoa, na sexta-feira, segundo e último dia do programa, Luís Quintais, Margarida Vale de Gato, a norte-americana Harryette Mullen e a espanhola Amalia Bautista, que participarão numa segunda mesa-redonda moderada por Maria Sequeira Mendes.

A estas sessões do final da tarde, com início às 18h30, seguem-se, às 21h30, sessões de leitura de poemas dos autores convidados, acompanhadas pelos músicos Margarida Campelo e Sérgio Pelágio.  

Agendado para o dia seguinte àquele em que nasceu, em 1888, o patrono da instituição, 13 de Junho, Lisbon Revisited – Dias da Poesia retoma noutros moldes os encontros internacionais de poesia da Casa Fernando Pessoa e adopta como epígrafe um verso do poema (versão de 1926) evocado no próprio título do programa: “Outra vez te revejo — Lisboa e Tejo e tudo”.

Adam Zagajewski foi recentemente editado em Portugal por iniciativa de Pedro Mexia, moderador desta primeira mesa-redonda, que publicou o volume antológico Sombras de Sombras (2017) na colecção que dirige para a Tinta da China. A tradução, realizada a partir do original polaco por Bruno Marco, foi revista por um dos poetas que partilhará a mesa com Zagajewski, Jorge Sousa Braga.

 Já Amalia Bautista, de quem Inês Dias traduziu e publicou recentemente na Averno o volume Estou Ausente (2013), tinha sido também traduzida por Joaquim Manuel Magalhães no terceiro dos seus Trípticos Espanhóis (Relógio D’Água, 2005). Harryette Mullen ainda não foi traduzida em Portugal, mas o leitor interessado pode ir espreitando o que Maria Sequeira Mendes (moderadora da segunda mesa-redonda) escreve sobre o seu poema em prosa Ectopia no site da revista Jogos Florais.

Nascido em 1945, menos de dois meses após o fim da Segunda Guerra, em Lviv, cidade polaca então recentemente anexada à República Socialista Soviética da Ucrânia, a família de Zagajewski foi obrigada nesse mesmo ano a mudar-se para a Polónia, para a uma cidade, Gliwice, que por sua vez fora retirada à derrotada Alemanha e incorporada no território polaco. Não admira que, como nota o poeta e crítico norte-americano Robert Pinsky, um dos tópicos centrais da poesia de Zagajewski seja “a presença do passado na vida quotidiana”.

Ligado aos autores da Geração de 68 e da chamada “nova vaga”, críticos do regime comunista, Zagajewski emigrou para Paris em 1982 – numa altura de particular repressão do movimento liderado por Walesa, que passou a maior parte desse ano na prisão – e viveu 20 anos fora da Polónia, à qual só regressou em 2002. Também romancista e ensaísta, é hoje considerado um dos grandes poetas polacos contemporâneos, premiado com o prestigiado Neustadt International Prize for Literature, em 2004, e, para referir apenas mais algumas distinções internacionais recentes, com os prémios Heinrich Mann (2015), Griffin (2016), Princesa das Astúrias (2017) e Struga (2018).

Num texto de 2004 dedicado ao poeta polaco, o romancista irlandês Colm Tóibin observa: “Com a sensibilidade danificada pela História, uma consciência política deformada pelo totalitarismo, uma mente profundamente afectada pelo seu estudo da Filosofia, seria fácil imaginar Zagajewski a escrever velada poesia de protesto (o que fez na sua juventude) ou poemas inteiramente privados e hieroglíficos, amargos no tom e indecifráveis no conteúdo”. Mas em vez disso, argumenta, “foi salvo por uma crença incondicional na própria poesia, no poder da sua autonomia e beleza”.

Este poema recolhido em Sombras de Sombras confirma bem o juízo de Tóibin: “Só na beleza criada pelos outros/existe consolação, na música/ e nos poemas dos outros/ Só os outros nos podem salvar,/ mesmo que a solidão tenha o sabor/ do ópio. Não são o inferno, os outros,/ se os espreitarmos de manhã, quando/ têm a testa limpa. lavada pelos sonhos./ Por isso cismo muito sobre a palavra/ que hei-de usar, ‘ele’ ou ‘tu’. Cada ‘ele’/ é uma traição a qualquer ‘tu’, mas,/ em troca, um poema de alguém fielmente/ oferece uma fresca, moderada conversa.”

Zagajewski vai conversar com dois poetas portugueses quase da mesma idade – nasceram ambos na segunda metade dos anos cinquenta –, mas que se estrearam com uma década de diferença: Jorge Sousa Braga em 1980, com De Manhã Vamos Todos Acordar Com Uma Pérola no Cu, e Ana Luísa Amaral com um livro cujo título homenageava Maria Teresa Horta: Minha Senhora de Quê. A primeira é também uma especialista em literatura anglo-americana e tradutora de Emily Dickinson, e de Jorge Sousa Braga quase se pode dizer que traduz tudo em que toca, tantos são os poetas das mais diversas épocas e línguas que já deu a ler em português.

Se o título da obra de estreia de Jorge Sousa Braga, bem como os dos livros seguintes – Plano para Salvar Veneza (1981) e A Greve dos Controladores de Voo (1984) – deixavam adivinhar um poeta que se colocava deliberadamente à margem das correntes mais respeitavelmente canónicas da poesia portuguesa da época, os seus livros mais recentes, e em particular O Novíssimo Testamento (2012), com o excelente poema de abertura que lhe dá título, talvez ameacem um pouco a sua aura de poeta de série B, mas não será este leitor quem se queixará.  

Já a poesia de Ana Luísa Amaral, no seu modo de cruzar um amplo universo de referências literárias e culturais com o seu mundo quotidiano e doméstico – movimento em que o cânone é ao mesmo tempo homenageado, questionado e subvertido a partir de um olhar (e de um idioma) marcadamente feminino –, poderia ser aproximada de Harryette Mullen, ainda que sem a mais abrupta dimensão experimental da americana, e talvez com não menos pertinência de Amalia Bautista, com quem também partilha uma certa valorização ética dos sentimentos humanos mais comuns. Mas o registo mais exuberante, e por vezes quase deliberadamente artificioso, da autora portuguesa distancia-a da lapidar concisão da espanhola, bem expressa neste poema, Ao Fim, aqui na versão de Joaquim Manuel Magalhães: “Ao fim são muito poucas as palavras/ que nos doem a sério e muito poucas/ as que conseguem alegrar a alma./ São também muito poucas as pessoas/ que tocam nosso coração e menos/ ainda as que o tocam muito tempo./ E ao fim são pouquíssimas as coisas/ que em nossa vida a sério nos importam:/ poder amar alguém, sermos amados/ e não morrer depois dos nossos filhos.”

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