Aprofundar a integração e cooperação ibérica: um desafio ecologista
Seria bom que os líderes dos governos português e espanhol reforçassem o compromisso assumido há três anos e lançassem um novo plano conjunto para uma Ibéria e uma Europa mais justas e sustentáveis.
Estávamos em junho de 2015 quando António Costa e Pedro Sánchez, líderes respetivamente do PS e PSOE, assinavam uma declaração conjunta intitulada “Aprofundar a integração e cooperação ibérica”. Com este documento, para além de assinalarem os 30 anos da adesão dos países ibéricos ao projeto europeu, avançavam com uma série de propostas concretas que ambos se comprometiam a implementar caso chegassem ao poder. Note-se que, nessa data, ambos eram líderes da oposição nos seus países e tinham à porta eleições a nível nacional.
Três anos volvidos, o cenário político é completamente diferente. Após os duríssimos anos da troika e do governo de direita PSD-CDS, António Costa conseguiu fazer o que até então parecia uma quimera e uniu toda a esquerda parlamentar no apoio ao seu governo, estando Portugal atualmente a recuperar lentamente em grande parte dos indicadores. Do lado espanhol, embora o PSOE não tenha conseguido chegar ao poder nesse mesmo ano de 2015 - em grande parte fruto do insucesso na construção de uma Geringonça ao estilo luso - consegue fazê-lo agora com a aprovação de uma moção de censura contra o governo do Partido Popular de Mariano Rajoy. Assolado por escândalos de corrupção e por uma gestão desastrosa da questão catalã, o Partido Popular espanhol perdeu a maioria parlamentar, passando assim o PSOE, juntamente com os deputados do Podemos, Esquerda Unida, Equo e de algumas outras formações políticas regionais, a assegurar uma maioria ainda mais alargada e numerosa que a anterior.
Observam-se assim as condições necessárias indicadas na declaração conjunta dos líderes socialistas de Portugal e Espanha: ambos lideram os seus governos. E o que dizia então essa declaração? Desde logo, reconhecia-se a necessidade do aprofundamento das relações ibéricas e de uma maior cooperação entre ambos os países na obtenção de uma “Europa federal, mais social e mais justa que permita eliminar a desigualdade existente entre Estados-Membros e dentro dos próprios países”. O documento, com um total de oito páginas, seguia com algumas propostas nas áreas da educação e cultura, união do mercado ibérico, cooperação e desenvolvimento das regiões transfronteiriças, transportes, mobilidade e sustentabilidade, bem como política externa e europeia.
O Iberismo é hoje tão necessário como no passado. De Pi y Margall a Saramago, muitos foram os que ao longo dos séculos imaginaram uma união entre ambos os países. Mas, em 2018, a união ibérica não poderia nunca assumir a forma de uma jangada de pedra que se descola do restante continente; pelo contrário, o iberismo é necessário precisamente para contribuir para um aprofundamento da União Europeia, contribuindo para que esta seja um espaço de paz, solidariedade e prosperidade partilhada.
A tarefa de Costa e Sánchez está pois longe de ser fácil. O documento assinado por ambos há três anos tem já boas propostas que podem ser implementadas no curto prazo. Mas é preciso mais, em particular no que diz respeito à transição ecológica. Pela sua proximidade, Portugal e Espanha partilham vários desafios ambientais que exigem uma resposta conjunta. Entre estes desafios, destaco cinco que poderão também servir de exemplo para a restante União Europeia.
Em primeiro lugar, é essencial assegurar o encerramento de todas as centrais nucleares em Espanha. A sucessão de incidentes em algumas centrais e a extensão do prazo de vida de outras como a central de Almaraz, às portas de Portugal, prova que este não é um modo de produção energético para o século XXI. Mas, confrontados com a necessidade de redução drástica da emissão de gases de efeito de estufa, a alternativa não pode passar por energias poluentes como os hidrocarbonetos. O segundo desafio é pois o de rejeitar a prospeção de hidrocarbonetos, seja em terra, seja ao largo da costa como se pretende fazer em Sines.
Urge, pois, encontrar alternativas limpas, seguras e não-centralizadas. Este é o terceiro grande desafio ibérico: apostar na eficiência energética e na produção de energia a partir de fontes verdes e renováveis. Neste desafio incluem-se a necessidade do apoio ao autoconsumo fotovoltaico - extremamente dificultado em Espanha - bem como a necessidade de assegurar a conexão eficaz entre as redes ibéricas e francesa, de modo a assegurar a exportação energética para a restante Europa.
O quarto desafio diz respeito à preservação da biodiversidade na península. Numa época de extinção massiva de animais e plantas, proteger a biodiversidade é proteger o nosso futuro comum. Deve portanto dar-se especial atenção às espécies autóctones em maior risco, como por exemplo o lince ibérico, bem como às espécies migratórias que atravessem ambos os países. Finalmente, o quinto desafio prende-se com a gestão dos recursos hídricos. Consequência das alterações climáticas, são expectáveis períodos de seca extrema e duradoura pelo que a gestão conjunta das bacias hidrográficas e dos cursos de água que atravessam ambos os países é essencial para garantir o abastecimento dos dois lados da fronteira.
Aprofundar a integração e cooperação ibérica é aprofundar a integração europeia. E esta cooperação só terá sucesso se respeitar os limites ecológicos e contribuir para uma transição ecológica a nível europeu. Agora num lugar de poder, seria bom que os líderes dos governos português e espanhol reforçassem o compromisso assumido há três anos e lançassem um novo plano conjunto para uma Ibéria e uma Europa mais justas e sustentáveis.