Sindika Dokolo devolve a Angola novas peças da cultura Chokwe

Fundação do genro do ex-Presidente José Eduardo dos Santos continua trabalho de recuperação de património pilhado nos anos da Guerra Civil angolana.

Algumas das peças agora devolvidas a Angola
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Algumas das peças agora devolvidas a Angola Fundação Sindika Dokolo
Sindika Dokolo na Galeria Municipal do Porto, em 2015
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Sindika Dokolo na Galeria Municipal do Porto, em 2015 Maria João Gala

Duas máscaras de raparigas, uma taça, um tamborete, um cachimbo e uma cadeira são as seis peças que a Fundação Sindika Dokolo devolveu esta quinta-feira ao Museu do Dundo, instituição no nordeste de Angola que é o repositório do riquíssimo património cultural do povo Chokwe.

A entrega realizou-se em Bruxelas, sede da fundação criada pelo genro do ex-Presidente angolano José Eduardo dos Santos, e marido da empresária Isabel dos Santos. As peças foram recebidas pelo embaixador angolano na Bélgica e pela directora dos Arquivos Nacionais de Angola.

Na cerimónia, reportada pelo jornal francês Le Monde, Sindika Dokolo defendeu que “África tem necessidade deste autoconhecimento”, e que a sua identidade “tem de redefinir-se em volta desta herança que até agora lhe tem estado muito pouco acessível”.

Sindika Dokolo, nascido na República Democrática do Congo e também com nacionalidade angolana por via do seu casamento com Isabel dos Santos, é um dos maiores coleccionadores de arte clássica africana. Através da sua fundação – que em 2016 adquiriu no Porto o edifício que Eduardo Souto de Moura projectou para ser a Casa do Cinema Manoel de Oliveira, destino que não chegou a ser cumprido –, Dokolo iniciou em 2015 um trabalho de recuperação do património cultural angolano. Muito dele saqueado de diferentes instituições nos anos da Guerra Civil (1975-2002), que se sucedeu à independência do país após o 25 de Abril de 1974 em Portugal.

Entre o primeiro conjunto de onze peças já recuperadas estão exemplares do artesanato Chokwe, considerado um dos mais ricos do país. E nas seis obras agora devolvidas está mesmo uma máscara de rapariga (Mwana Pwo) que pertenceu à colecção pessoal de Sindika Dokolo, que a adquirira em Nova Iorque, em 2007.

Muitas das peças desaparecidas de Angola, e nomeadamente do Museu do Dundo – situado na cidade mineira com o mesmo nome na fronteira com a República Democrática do Congo e fundado em 1936 pela companhia Diamang –, encontram-se actualmente na posse de coleccionadores europeus.

 A beleza e o poder da arte africana

A importância do artesanato Chokwe foi sendo reconhecida com as campanhas que a empresa Diamang (um conglomerado de investidores internacionais a quem o Governo colonial português atribuiu a concessão da exploração de diamantes em Angola nas primeiras décadas do século XX) foi realizando, tendo reunido vários milhares de peças.

Neste levantamento teve particular relevância – recorda o Le MondeMarie-Louise Bastin (1918-2000), uma investigadora belga que nas décadas de 60-70 realizou trabalho de campo no Museu do Dundo, mas também em museus europeus com importantes espólios etnográficos dessa cultura, nomeadamente em Bruxelas, mas também em Lisboa, Coimbra e Porto (cuja Universidade viria a conferir-lhe o título de doutor honoris causa em 1999).

“É claro que a Diamang procurava uma forma de legitimação atribuindo recursos ao Museu [do Dungo], mas é isso que, hoje, nos permite dispor de uma documentação importante: as obras foram fotografadas, descritas e inventariadas”, lembrou esta quinta-feira em Bruxelas Agnès Lacaille, investigadora da Fundação Sindika Dokolo e que anteriormente trabalhou com as colecções do Museu Real da África Central, na capital belga.

Na cerimónia realizada num luxuoso hotel do bairro de Sablons, estiveram presentes vários coleccionadores, antiquários e galeristas. Sindika Dokolo preocupou-se em sossegá-los relativamente à acção que está a ser desenvolvida pela sua fundação: “É importante que os coleccionadores e os comerciantes entendam melhor a nossa acção, porque eles revelaram ao mundo a beleza e o poder da arte africana. O mercado não vai desaparecer num processo que não seja legítimo”, disse o coleccionador africano, recusando o recurso a meios mais aguerridos de recuperação deste património.

“Nós podíamos partir para a guerra para conseguir o regresso das peças mais importantes e simbólicas, mas essa não nos parece a via mais eficaz”, acrescentou Agnès Lacaille.

De resto, os 11 objectos até agora recuperados pela fundação foram-no através de negociação com os actuais proprietários, que ou os devolveram de graça ou os venderam a preços abaixo do valor de mercado, refere o Le Monde, mas sem que Sindika Dokolo tivesse revelado os números.

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