O “bloco central da agonia”
O PS e o PSD não podem amarrar-se um ao outro, porque isso leva ao crescimento dos extremos, deixando o BE à solta. Mas o PS e o PSD dependem um do outro para manter o actual sistema partidário intacto
1. Parece claro que o PS não sofreu o mesmo destino dos seus congéneres da Europa do Sul. Ao contrário do Pasok grego, do PSOE espanhol, do PSF francês e do centro-esquerda italiano, o PS continua de boa saúde e recomenda-se. As explicações dividem-se entre a tese do “pedro-nunismo” (deve-se à “gerigonça” de António Costa) e de Vital Moreira (foi a direita a aplicar o programa de ajustamento e o PS conseguiu descolar da bancarrota de 2011). Creio que ambos têm razão. Se tomarmos os 20% do PSOE nas últimas sondagens (antes dos acontecimentos da semana passada), podemos sugerir que a diferença entre esses 20% e os 32% das legislativas de 2015 é o “efeito austeridade” (em muito devido à estratégia de António José Seguro, que, muito provavelmente, salvou o PS do declínio e a quem o partido insiste em não agradecer) e dos 32% de 2015 aos cerca de 40% das sondagens atuais temos o “efeito geringonça” (tenho muitas dúvidas que o PS passe dos dois milhões de votos em 2019, se isso são 40% ou menos, depende da abstenção; pode até gerar uma maioria absoluta de mandatos, caso haja um enorme aumento da abstenção acompanhado de uma assinalável dispersão de votos em brancos, nulos e pequenos partidos sem representação parlamentar).
2. António Costa é o hábil estratego do "efeito geringonça”. Se o PS tivesse dado ouvidos a Assis, Sousa Pinto e outros, hoje seria uma muleta da direita e dificilmente estaria agora nos 40%. Muito provavelmente estaria mais perto dos 20% do PSOE. Evidentemente que a solução encontrada permitiu a Costa ser primeiro-ministro. Mas, para além do óbvio interesse pessoal, há um elemento estratégico fundamental. Como disse ao Expresso uns dias depois das eleições de 2015, “só engolido o BE, o PS pode ganhar eleições”. E acrescentava: “Há diversas formas de engolir: ou os 500 mil [votos] voltam para o PS, ou fazem uma coligação, ou este traz o BE para dentro, à semelhança do que o SPD fez na Alemanha com os Verdes.” E foi o que Costa fez.
3. Com a experiência da “geringonça”, e pela sua própria sobrevivência, o PS não pode dispensar o BE. Ou melhor: poder, pode. Mas arrisca-se a que o BE se torne um Syriza ou um Podemos, comendo uma enorme fatia do eleitorado socialista, que, por exemplo, não compra a nova campanha do ADN anticorrupção e da transparência. Uma (muito improvável) maioria absoluta do PS seria um horizonte de crescimento para o BE a prazo. E, sem maioria absoluta, o PS não pode trocar o BE pelo “bloco central dos interesses” sem arriscar uma “pasokização” quase imediata.
4. A relação entre o PS e o BE é agora, pois, absolutamente umbilical. Já a relação com o PCP não é. Primeiro, até ao momento, não há constância de grandes transferências de votos do PS para o PCP (a existirem, foram em sentido contrário, como parece ter sido o caso nas autárquicas). Segundo, o PCP não pode integrar um Governo, sob pena de se diluir e sofrer o destino dos eurocomunistas (não por acaso, o PCP não sofreu o destino dos comunistas espanhóis, franceses e italianos). Logo, a quebra da ligação entre o PS e o PCP é provável e até desejável do ponto de vista de ambos. A transformação do BE num Verdes alemão também facilita um Governo PS/BE sem o temor do PCP, como já vemos na autarquia de Lisboa.
5. Mas, se o PS não pode largar o BE, também não pode largar o PSD e Rui Rio. Porque, quando um cair, cai o outro. O PSOE afundou-se, mas o PP também. No novo sistema partidário espanhol, segundo as sondagens, ambos vão ser partidos secundários (por isso, fogem de eleições). O PSF desapareceu, mas o LR está a ponto de entrar em colapso. Ambos são agora atores muito pouco relevantes num novo sistema dominado pelo partido de Macron, FN e La France Insoumise. Na Itália, o centro-esquerda e o centro-direita estão a minguar para o M5S e Lega Nord, respetivamente. Mesmo na Grécia, onde a implosão do Pasok não contagiou (ainda) a Nova Democracia, temos de recordar dois aspetos cruciais. A reorganização do centro em curso (Kinima Allagis, ao qual se juntou o To Potami e os restos do Pasok) pode prejudicar seriamente a Nova Democracia nas próximas eleições. E a própria Nova Democracia, após crise interna do seu baronato profundamente corrupto, foi buscar Samaras em 2009, um personagem sempre pouco amado no partido e com um percurso muito curioso (fundou o seu próprio partido, Politiki Anixi, onde militou entre 1993 e 2004). Este trouxe consigo uma nova geração que, de alguma forma, refundou o partido.
6. A solução para esta geometria é complexa. O PS e o PSD não podem amarrar-se um ao outro, porque isso leva ao crescimento dos extremos, deixando o BE à solta (em muito menor medida, o CDS, pois, não acredito que consiga mobilizar abstencionistas). Mas o PS e o PSD dependem um do outro para manter o atual sistema partidário intacto, coisa única na Europa do Sul (quase mesmo em toda a Europa). Resta o “bloco central da agonia”: um PS que finge que governa enquanto faz a espargata entre o PSD e o BE. Veremos se aguenta toda a próxima legislatura assim.