República Farol das Ilhas, em Coimbra, foi despejada

Sete habitantes obrigados a deixar a casa por terem demorado uma semana a pagar actualização de rendas

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Joana Goncalves

A continuidade da República Farol das Ilhas está em risco ao fim de 58 anos de história. Os sete estudantes que vivem na casa da rua Teixeira de Carvalho, em Coimbra, receberam na manhã desta quinta-feira uma ordem de despejo que teve efeito no próprio dia.

João Henriques, que vive no Farol há três anos, explica que o diferendo na base do despejo começou em 2014, depois da entrada em vigor do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) e consequente aumento do valor da renda. Até então os estudantes pagavam 491 euros pelo apartamento que ocupa dois pisos de um edifício com três andares.

A proprietária passou a exigir 846 euros por mês, mas os estudantes continuaram a pagar a quantia anterior, justificando que nas últimas três décadas todas as obras realizadas no imóvel tinham sido suportadas pelos próprios ou pelo governo regional da Madeira (Alberto João Jardim foi um dos fundadores da casa quando estudou em Coimbra). Aos sinais visíveis da degradação do edifício, o estudante da Escola Superior de Educação de Coimbra junta as infiltrações e os problemas no sistema de canalização.

O diferendo seguiu para tribunal, mas as partes chegaram a um acordo já este ano: a república pagava o correspondente à actualização da renda desde 2014 – um valor que correspondia a 13.258 euros – até ao dia 20 de Maio e a proprietária fazia obras de melhoramento no imóvel. “Foi o melhor acordo possível”, refere Daniel Ribeiro, estudante de sociologia que mora ali desde Setembro de 2017.

Daniel Ribeiro admite que, até ao fim do prazo, apenas uma parte do valor tinha sido paga, justificando o atraso com a dificuldade em reunir os 13 mil euros em tão pouco tempo. No entanto, assegura, até dia 27, a dívida estava saldada. Algo que só foi possível com a ajuda de outras repúblicas.

O advogado da proprietária, Paulo José Rocha, confirmou aos jornalistas os termos do acordo entre as partes. No entanto, sublinha que era “uma transacção altamente rigorosa na questão dos timings”. O não cumprimento do prazo de dia 20 de Maio acabou por ser “o fundamento principal do despejo”.

Daniel Ribeiro fala de “má-fé óbvia da senhoria” que “durante 60 anos não se importou” com a casa. “Agora podemos ficar sem os 13 mil euros e sem a casa”, lamenta, acrescentando que a república vai prosseguir os meios legais possíveis para reverter o despejo. Enquanto se desenrola o processo, os sete habitantes da casa vão ficar alojados noutras repúblicas.

Os estudantes tiveram que sair da casa até meio da tarde e não tiveram a possibilidade de retirar a totalidade dos haveres do interior da habitação. Pouco antes das 17h entraram na casa serralheiros acompanhados pelo agente de execução e pelo advogado da proprietária.

A república Farol das Ilhas até tinha sido uma das últimas a passar pelo instrumento da autarquia que visa classificar o “interesse histórico e cultural ou social local” de repúblicas de estudantes e comércio tradicional. No entanto, a classificação da câmara municipal protege as entidades dos aumentos de renda durante cinco anos, mas não do despejo.

A república 5 de Outubro fechou as portas em 2013, também na sequência de um aumento exponencial de renda. Apenas quatro das 25 repúblicas de Coimbra são propriedades dos próprios estudantes. Três são da Universidade de Coimbra e uma é da autarquia. As restantes 17 têm senhorio.

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