Tribunal de Contas nega recurso sobre empresa de cultura do Porto
Pela segunda vez, o TdC chumba pretensão do presidente da autarquia portuense, Rui Moreira, de criar Empresa Municipal de Cultura do Porto.
O Tribunal de Contas rejeitou o recurso que a Câmara do Porto apresentou há um mês e no qual a autarquia contestava a decisão do TdC que chumbou a criação da Empresa Municipal de Cultura do Porto (EMCP). Esta empresa seria responsável pela gestão e programação de diversos equipamentos municipais da cidade, por não ser "tendencialmente autossustentável" e por "violar o Regime Jurídico de Actividade Empresarial".
No recurso que fez chegar ao Tribunal de Contas, o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, alegava que nenhuma das decisões invocadas “poderia justificar a recurso do visto”, em sede de fiscalização prévia e sublinhava que o acórdão apresentava "um erro de julgamento” no caso da alegada insustentabilidade económico-financeira da empresa a criar e também em matéria de inexistência de estudos técnicos exigidos por lei.
O TdC tem opinião diferente e decidiu negar “provimento ao recurso, mantendo, pois, a recusa de visto à minuta de deliberação da criação da EMCP, tendo por base os restantes fundamentos, nomeadamente a nulidade da minuta, quer por força de insuficiência do estudo sobre viabilidade económico-financeira, em violação das disposições conjugadas dos artigos 6.º, n.º1 e 32.º, nºs 1 e 2, do Regime Jurídico da Actividade Empresarial Local e das Participações Sociais (RJAEL), quer porque a empresa que se pretende criar não é ‘tendencialmente autossustentável’, conforme exigido pelo disposto no artigo 20.º, nº6 do RJAEL."
Quanto “à intervenção do presidente da Câmara do Porto em múltiplas etapas do procedimento da criação a EMCP, em violação do disposto nos artigos (…) do Código do Procedimentos Administrativo, bem como do artigo 4.º, alínea IV do estatuto dos Eleitos Locais, o plenário da primeira secção do TdC decidiu “dar provimento parcial, em virtude de o impedimento verificado não constituir, no caso em apreço, motivo de recusa do visto”.
Quanto a este ponto, o recurso da autarquia, assinado pelo conhecido escritório de advogados Cuatrecasas, negava ter “ocorrido qualquer violação do princípio da imparcialidade", pelo que o presidente do município “não se encontrava impedido de participar na elaboração de uma proposta de estatutos que contivesse uma norma que estabelecesse que, por regra, o presidente do Conselho de Administração da sociedade a criar seria o presidente da câmara municipal”. “Ora, aquela norma não só é uma regra geral e abstracta, como ali se trata de uma questão evidentemente institucional”, sustentava o recurso.
Coincidência ou não, a Câmara do Porto convocou uma “importante conferência de imprensa” para a tarde desta segunda-feira, no Teatro Rivoli, “para explicar o futuro de projectos culturais como o Coliseu, Cinema Batalha e Teatro Sá da Bandeira, bem como do desenvolvimento e cumprimento do seu programa de governação neste eixo fundamental que é a cultura”.
PS E PSD aplduem decisão do TdC
O PS foi o primeiro partido a reagir ao chumbo do Tribunal de Contas (TdC). Em comunicado, os socialistas afirmam que a decisão do TdC “é o corolário lógico de um processo conduzido de forma leviana pelo executivo municipal. A pressa de aprovar a criação da empresa a poucas semanas do final do mandato [anterior] levou a que não fosse acautelado o respeito pelas normas legais a que obedece a criação de uma empresa municipal e o próprio estudo económico que lhe serve de base sofre de sérias insuficiências”.
Argumentando que “o chumbo da criação da empresa municipal não pode e não deve ser usado como pretexto para prejudicar a política municipal no domínio da cultura”, o PS refere que “o funcionamento do Teatro Municipal do Porto (Rivoli/Campo Alegre), da Galeria Municipal Almeida Garrett, das bibliotecas e dos museus; a reconversão do Cinema Batalha (…) estão assegurados, mesmo sem a existência da Empresa Municipal de Cultura”.
“Numa atitude construtiva”, os vereadores do PS reafirmaram em comunicado a sua “disponibilidade para, em debate transparente no executivo municipal, encontrar a solução jurídica que permita a criação a empresa municipal, no contexto da reflexão sobre o conjunto do sector empresarial no município”.
O economista e vereador do PSD, Álvaro Almeida, afirma que a decisão do TdC “permite evitar gastos desnecessários” à Câmara do Porto. “O PSD sempre foi contra a criação desta empresa não só pelo timing para a sua constituição, mas também porque entende que algumas das funções que se lhe pretendiam atribuir devem ser exercidas directamente pela câmara municipal, nomeadamente a da programação cultural (…)”, afirma o social-democrata que defende também que funções ligadas à “gestão das infra-estruturas culturais integradas poderiam ser integradas na Empresa Municipal pela Porto Lazer”.
Em declarações ao PÚBLICO, Álvaro Almeida sustenta que a “criação de Empresa Municipal de Cultura corresponderia a uma estrutura desnecessária, que iria gerar custos desnecessários”. “Aparentemente, o Tribunal de Contas partilha das mesmas preocupações que o PSD: é contra uma possível má utilização dos dinheiros da câmara”.
CDU pede menos empresas municipais
A vereadora da CDU, Ilda Figueiredo, congratula-se com o chumbo do TdC e diz que está na altura de se fazer uma reflexão sobre o funcionamento das empresas municipais. “Porque o Porto já tem cinco empresas destas - a da cultura seria a sexta -, é tempo de parar, pensar e rever o seu funcionamento e até admitir a possibilidade de acabar com algumas delas, integrando-as na gestão municipal directa”.
Ao PÚBLICO, a vereadora comunista afirma que, no caso do Porto, o que “faz sentido são duas ou três empresas municipais, e não seis ou sete como pretende o actual executivo”. Ilda Figueiredo refere-se “à vontade que existe de transformar a Sociedade de Reabilitação Urbana – que, ao que tudo indica, será extinta – numa empresa municipal”. Na sua opinião, as empresas municipais do Ambiente e da Porto Lazer, ligada à animação, desporto e lazer, deveriam passar para a esfera da câmara municipal.
Quanto à decisão do TdC, diz que se encaixa na posição que a CDU tem defendido. “Sempre considerámos que não se devia constituir uma Empresa Municipal de Cultura, tendo em conta que consideramos que cabe ao colectivo da câmara municipal gerir directamente, através do respectivo pelouro da Cultura, os equipamentos culturais, numa visão integrada de resposta às orientações da própria câmara”.
A vereadora critica ainda a “forma estanque e autónoma” como funcionam as actuais empresas municipais, como se nada tivessem a ver com a gestão do município”. “Às empresas municipais sobram poderes autónomos”, em contrapartida “falta-lhes uma perspectiva de gestão conjunta”.